“Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na
terra.” (Salmos 73. 25)
Neste salmo, o salmista Asafe
relata a grande dificuldade que havia em sua mente, ao observar os ímpios. Ele
diz, nos vv. 2 e 3: “Quanto a mim, porém, quase me
resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos. Pois eu
invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos.” No v. 4, nos informa o que, nos ímpios, era o
motivo de sua tentação. Em primeiro lugar, observa que eram prósperos,
e tudo lhes ia bem. Observa, também, o comportamento deles na
prosperidade, e o uso que faziam dela; e que Deus, apesar dos abusos, aumentava-lhes
a prosperidade. Então, nos mostra de que maneira foi auxiliado nessa
dificuldade, isto é, indo ao santuário, (vv. 16, 17), e procede para
nos informar quais foram as considerações que o auxiliaram lá:
1. A consideração do fim
miserável dos ímpios. Ainda que prosperem no presente, chegarão,
contudo, a um lamentável fim (vv. 18-20).
2. A consideração do fim
bendito dos santos. Embora esses, enquanto vivem, possam ser
afligidos, contudo terão um fim feliz, (vv. 21-24).
3. A consideração de que o
justo possui uma porção muito superior à do ímpio, embora não
possua outra porção, senão Deus, como mostra o texto e os versículos seguintes.
Ainda que os ímpios vivam na prosperidade, e não
tenham problemas como os demais homens, contudo, os piedosos, mesmo afligidos,
estão em estado infinitamente melhor, porque têm Deus por sua porção. Não
precisam desejar nada mais pois, quem tem Deus, tem tudo. Assim o salmista
professa o senso e apreensão que teve das coisas: “Quem mais tenho eu no
céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra.” (Sl 73:25)
No versículo imediatamente
anterior (Sl 73:24), o salmista
observa como os santos são felizes em Deus, tanto quando estão neste mundo,
como quando são levados ao outro. São benditos em Deus aqui, pois Ele os guia
com os seus conselhos; e, quando os toma, ainda são felizes, pois Ele
os recebe na glória. Provavelmente isso o levou, no texto, a
declarar que não desejava outra porção, quer neste mundo ou no
porvir, quer no céu, quer na terra.
Daí aprendemos que:
Doutrina
É o espírito de um homem verdadeiramente piedoso preferir Deus antes de
todas as coisas, quer no céu, quer na terra.
I. Um homem piedoso prefere
Deus antes de todas as coisas no céu.
1. Ele prefere Deus antes de
qualquer coisa que haja, de fato, no céu. Todo homem piedoso tem o céu
no coração. Suas afeições estão depositadas no que deve haver lá. O céu é sua
pátria e herança escolhidas. Ele o encara como um viajante, que, em uma terra
distante, encara seu próprio país. O viajante pode contentar-se em estar em
terra estranha por pouco tempo, mas sua própria terra nativa é preferida por
ele acima de tudo (Hb 11:13): “Todos
estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e
saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra.
Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria.” O
respeito que o justo tem pelo céu pode ser comparado ao que uma criança, que
está no estrangeiro, tem pela casa de seu pai. Ela pode estar satisfeita, por
pouco tempo; mas o lugar para onde deseja retornar, e onde quer morar, é sua
própria casa. O céu é a morada do Pai dos verdadeiros santos. Jo 14:2: “Na casa de meu Pai há
muitas moradas.” Jo 20:17: “Subo
para meu Pai e vosso Pai.”
Agora, a razão pela qual os
piedosos têm dessem modo o coração no céu é porque Deus está lá - é o palácio
do Altíssimo. É o lugar onde Deus está gloriosamente presente, onde seu amor é
gloriosamente manifesto, onde o piedoso pode estar com Ele, vê-lo como Ele é, e
amá-lo, servi-lo, louvá-lo e gozá-lo perfeitamente. Se Deus e Cristo não
estivessem no céu, não seriam tão ávidos em buscá-lo, nem suportariam tantas
dores em uma laboriosa jornada através deste deserto, nem a consideração de que
irão ao céu após a morte serviria de conforto nos labores e aflições. Os
mártires não suportariam sofrimentos cruéis de seus perseguidores, com uma
alegre perspectiva de irem ao céu, se lá não esperassem estar com Cristo, e
regozijar-se com Deus. Não iriam, alegremente, esquecer suas posses terrenas, e
todos os amigos mundanos, como milhares deles fizeram, vagando na pobreza e na
rejeição, sendo indigentes, afligidos, atormentados, trocando sua herança
terrena por uma celestial, não fosse sua esperança de estar com seu glorioso
Redentor e com o Pai celeste. O coração do crente está no céu, porque o seu
tesouro está lá.
2. O homem piedoso prefere
Deus antes de todas as coisas que poderiam existir no céu. Não
apenas há coisa alguma, de fato, no céu, que rivalize na sua estima
com Deus; mas nada há que possa conceber, nada que possivelmente esteja
lá, que seja mais estimado ou desejado por ele do que Deus. Alguns supõem
que há no céu delícias bem diferentes daquelas que as Escrituras nos ensinam.
Os muçulmanos, por exemplo, supõem que no céu devem ser desfrutados todos os
tipos de delícias e prazeres sensuais. Muitas coisas que Maomé inventou são das
mais convenientes para as luxúrias e apetites carnais dos homens que se possa
imaginar, e, com elas, lisonjeou seus seguidores. Mas os verdadeiros santos não
conseguem imaginar algo mais adequado a suas inclinações e desejos do que o que
está revelado na Palavra de Deus: um céu de gozo do Deus glorioso, e do Senhor
Jesus Cristo. Lá, estarão livres de todos os seus pecados, e serão
perfeitamente conformados a Deus, e passarão uma eternidade em exercícios
exaltados de amor para Ele, e no usufruto do Seu amor. Se Deus não pudesse ser
usufruído no céu, mas apenas vasta riqueza, imensos tesouros de prata e ouro,
grande honra do tipo que os homens obtêm neste mundo, e uma plenitude dos
maiores prazeres e delícias sensuais - nenhuma dessas coisas suplantaria a
necessidade por Deus e por Cristo, nem a fruição deles no céu. Se este
estivesse vazio de Deus, seria, de fato, um lugar solitário e melancólico. O piedoso
está sensível que todas as diversões humanas não podem satisfazer a alma; e,
portanto, nada o contentará, senão Deus. Ofereça a ele o que for, se o privar
de Deus, considerar-se-á miserável. Deus é o centro dos seus desejos, e, quando
você afasta sua alma do seu centro, ela não terá descanso.
II. É o temperamento de um
homem piedoso preferir Deus a todas as coisas sobre a terra.
1. O santo prefere esse gozo
de Deus, pelo qual espera no porvir, a qualquer coisa neste
mundo. Não olha tanto para as coisas que são visíveis e temporais, mas para as
invisíveis e eternas (1 Co 4:18). O
santo não desfruta senão um pouco de Deus neste mundo; não tem senão pouca
intimidade com Deus, e goza um pouco das manifestações de sua glória e amor
divinos. Mas Deus prometeu lhe dar, no porvir, plena fruição. E estas promessas
são mais preciosas para o santo que as mais preciosas joias terrenas. O
evangelho contém maiores tesouros, em sua estima, que os cofres de príncipes ou
as minas dos índios.
2. Os santos preferem o que
pode ser obtido de Deus nesta vida a todas as coisas no mundo.
Há grande diferença nas realizações espirituais presentes dos santos. Alguns
atingem maior intimidade e comunhão com Deus e conformidade com Ele que outros.
Mas, as maiores realizações são ínfimas em comparação às futuras. Os santos são
capazes de progredir nas realizações espirituais, e sinceramente desejam estas
realizações adicionais. Não contentes com os graus já alcançados, estão
famintos e sedentos de justiça e, como crianças recém-nascidas, desejam o
sincero leite da Palavra, para que, por ela, possam crescer. É seu desejo
conhecer mais de Deus, ter mais de sua imagem, e serem capacitados ainda mais à
imitação de Deus e de Cristo em sua caminhada e conversação. Sl 27:4: “Uma coisa peço ao SENHOR,
e a buscarei: que eu possa morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida,
para contemplar a beleza do SENHOR e meditar no seu templo.” Sl 42:1, 2: “Como suspira a corça
pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha
alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a face de
Deus?” Sl 63:1, 2: “Ó Deus,
tu és o meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti;
meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água. Assim, eu te
contemplo no santuário, para ver a tua força e a tua glória.” Veja
também o Sl 84:1-3 e Sl 130.6: “A minha alma anseia pelo
Senhor mais do que os guardas pelo romper da manhã. Mais do que os guardas pelo
romper da manhã.”
Ainda que nem todo santo tenha
este ávido desejo por Deus no mesmo grau que tinha o salmista, contudo são do
mesmo espírito; desejam sinceramente ter mais de Sua presença em seus corações.
Que este é o temperamento do piedoso em geral, e não apenas de alguns santos em
particular, mostra-se em Is 26:8, 9,
onde se fala, não de algum santo em particular, mas da igreja em geral o
seguinte: “Também através dos teus juízos, SENHOR, te esperamos; no teu nome
e na tua memória está o desejo da nossa alma. Com minha alma suspiro de noite
por ti e, com o meu espírito dentro de mim, eu te procuro diligentemente;
porque, quando os teus juízos reinam na terra, os moradores do mundo aprendem
justiça.” Veja também Ct 3:1, 2.
v. 6, 8.
Os santos nem sempre estão
nestes vívidos exercícios da graça: mas possuem tal espírito, e têm o sensível
exercício dele. Desejam Deus e as realizações divinas mais do que todas as
coisas terrenas; e buscam ser ricos em graça, mais do que fazem para obter
todas as riquezas. Desejam a honra que procede de Deus, mais do que a dos
homens (Jo 5:44) e comunhão com Ele
mais do que qualquer prazer terreno. São do mesmo espírito que o apóstolo
expressa em Fl 3:8: “Sim, deveras
considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como
refugo, para ganhar a Cristo”.
3. O santo prefere o
que já tem de Deus a qualquer coisa neste mundo. O que foi infundido
no seu coração na conversão lhe é mais precioso que qualquer coisa que o mundo
possa ofertar. As visões que, às vezes, lhe são concedidas da beleza e
excelência de Deus, lhe são mais preciosas que todos os tesouros dos ímpios.
Ele valoriza mais a relação de criança na qual está para com Deus, a união que
há entre sua alma e Jesus Cristo, do que a maior dignidade terrena. Essa imagem
de Deus que está estampada em sua alma, ele valoriza mais do que quaisquer
ornamentos terrenos. Em sua estima, é melhor ser adornado com as graças do
Espírito Santo de Deus do que brilhar em joias de ouro, e com as mais caras
pérolas, ou ser admirado pela maior beleza exterior. Valoriza mais o manto da
justiça de Cristo, que tem em sua própria alma, do que os mantos de príncipes.
Prefere os prazeres e delícias espirituais que, às vezes, tem em Deus, muito mais
que todos os prazeres do pecado. Sl
84:10: “Pois um dia nos teus átrios vale mais que mil; prefiro estar à
porta da casa do meu Deus, a permanecer nas tendas da perversidade.”
Desse modo, o santo prefere
Deus a todas as coisas neste mundo, pois:
1. Prefere Deus a todas as
coisas que possui no mundo. Prefere Deus a todos os gozos
temporais. Sl 16:5, 6: “O SENHOR
é a porção da minha herança e o meu cálice; tu és o arrimo da minha sorte.
Caem-me as divisas em lugares amenos, é mui linda a minha herança.” Se
for rico, o seu coração está principalmente nas riquezas celestiais. Prefere
Deus a todos os amigos terrenos, e o favor divino a qualquer respeito obtido de
criaturas semelhantes. Embora, inadvertidamente, tenham lugar no seu coração, e
lugar até demais; contudo reserva o trono para Deus. Lc 14:26: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe,
e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser
meu discípulo.”
2. Ele prefere Deus a
qualquer prazer terreno do qual tenha perspectiva. Os filhos dos
homens põem, comumente, sua confiança mais em alguma felicidade terrena
que esperam, e pela qual buscam, do que naquilo que têm em
posse no presente. Mas um homem piedoso prefere Deus a todas as coisas que
espera neste mundo. Ele pode, com efeito, pela prevalência da corrupção,
deixar-se, por um tempo, levar por algum divertimento; contudo, cairá novamente
em si, não sendo este seu temperamento, uma vez que é outro o seu espírito.
3. É o espírito de um homem
piedoso preferir Deus a qualquer gozo terreno que possa conceber.
Prefere-o não apenas a qualquer coisa que possui, mas nada vê em posse de
outras pessoas, que seja tão estimável. Tivesse ele a maior prosperidade do
mundo, ou pudesse satisfazer todos os seus desejos terrenos, ainda assim,
valorizaria a porção que já tem em Deus, incomparavelmente mais. Ele prefere
Cristo aos reinos terrenos.
Aplicação
1. Portanto, podemos aprender
que quaisquer que sejam as mudanças pelas quais passe o justo, ele é feliz.
Isso porque Deus, que é imutável, é sua porção preferida. Embora enfrente
perdas temporais, seja privado de muitas, sim, até mesmo de todas as alegrias
transitórias, contudo Deus, a quem prefere acima de tudo, ainda permanece, e
não pode ser perdido. Enquanto está neste mundo mutável, cheio de problemas, é
feliz, pois sua porção escolhida, sobre a qual constrói o fundamento de sua
felicidade, está acima do mundo e acima de todas as mutações. E quando vai ao
outro, ainda é feliz, pois sua porção permanece. Pode ser privado de tudo, exceto
de sua principal porção; sua herança permanece segura.
Pudessem os homens de mente
carnal encontrar um modo de assegurar para si as alegrias terrenas, em que seus
corações estão principalmente firmados, de forma que não pudessem ser perdidas
nem diminuídas enquanto vivessem, como considerariam grande privilégio, ainda
que outras coisas que estimam em menor grau estivessem sujeitas à mesma
incerteza de agora! Por outro lado, esses prazeres terrenos, nos quais os
homens depositam principalmente seus corações, são, com frequência,
transitórios. Mas como é grande a felicidade daqueles que escolheram a Fonte de
todo bem, que O preferem a todas as coisas no céu ou na terra, e que jamais
podem dEle ser privados por toda a eternidade!
2. Que todos, à vista dessas
coisas, examinem e testem a si mesmos, se são santos ou não. Uma vez que o que
foi exposto é o espírito dos santos, e lhes é peculiar, ninguém pode usar a
linguagem do texto e dizer: “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem
eu me compraza na terra”, senão os santos. A escolha de um homem é o que
determina seu estado. O que escolhe Deus por sua porção, e O prefere a todas as
coisas, é um homem piedoso, pois esse O escolhe e adora como
Deus. Honrá-lo como Deus é respeitá-lo acima de todas as coisas; e se alguém O
honra como o seu Deus, seu Deus Ele é; há uma
união e relação de pacto entre esse homem e o verdadeiro Deus. Todo homem é à
semelhança de seu Deus. Se quiser saber quem é o homem, se é piedoso ou não,
questione-o sobre quem é o seu Deus. Se o verdadeiro Deus for aquele a quem tem
supremo respeito, a quem considera acima de tudo, sem dúvidas, ele é um servo
do Deus verdadeiro. Mas se o homem tem algo a mais pelo qual tem maior respeito
do que a Jeová, então este homem não é piedoso.
Questionem-se, portanto,
quanto a sua situação – vocês prefere Deus acima de todas as coisas? Às vezes,
pode ser difícil a determinação satisfatória disso, pois o ímpio pode ser
ludibriado por falsas afeições e o piedoso, baseado em débeis padrões, pode
perder [a noção] destas coisas. Portanto, vocês devem fazer uma autoanálise
quanto a esta matéria, de diversos modos; se não puderem falar plenamente sobre
uma coisa, talvez possam em relação a outras:
1. Qual é o desejo principal que
os faz querer ir ao céu quando morrerem? É verdade que alguns não têm grande
desejo de ir para o céu. Não se importam em ir para o inferno, mas, se pudessem
se safar dele, não teriam muita preocupação com o céu. Se este não for o seu
caso, mas vocês acham que têm desejo de ir para o céu, então se questionem
quanto ao porquê disso. É precipuamente por querer estar com Deus, ter comunhão
com Ele, e ser conformado a Ele para que possam vê-lo, e desfrutá-lo lá? É esta
a consideração que guarda seus corações, e desejos e expectativas em relação ao
céu?
2. Se vocês pudessem evitar a
morte, e tivessem livre escolha, escolheriam viver sempre neste
mundo sem Deus, ao invés de, no tempo dele, partir do mundo a fim de estar com
Ele? Se pudessem viver aqui em prosperidade terrena por toda a eternidade, mas
destituído da Sua presença e comunhão – não tendo relação espiritual entre Deus
e suas almas, sendo vocês e Deus alienados uns dos outros para sempre –
escolheriam isso ao invés de partir do mundo, a fim de habitar no céu como
filhos de Deus, aproveitando lá os privilégios gloriosos de filhos, em um amor
santo e perfeito a Ele, e no Seu gozo por toda a eternidade?
3. Vocês preferem Cristo a
todos os outros como o caminho para o céu? Aquele que escolhe
verdadeiramente Deus, O prefere em cada pessoa da Trindade: Pai, Filho e
Espírito Santo: o Pai, como seu Pai; o Filho como seu Salvador; o Espírito
Santo como seu Santificador. Questionem-se, portanto, não apenas se escolheram
o gozo de Deus no céu como sua mais alta porção e felicidade, mas também se escolheram
a Jesus Cristo antes de todas as coisas, como o caminho para o céu; e isso com
um senso da excelência de Cristo, e do caminho da salvação por Ele, como sendo
algo [que serve] para a glória de Cristo e da soberana graça. É o caminho da
livre graça, pelo sangue e justiça do bendito e glorioso Redentor, o caminho
mais excelente para a vida em sua estima? Isso acrescenta valor para a herança
celestial que é desta forma conferida? Isso é muito melhor para vocês que ser
salvo por suas próprias justiças, por quaisquer de suas realizações, ou por
qualquer outro mediador?
4. Se pudessem ir para o céu
da maneira que lhes agradasse, vocês prefeririam a todos os outros o caminho
do estrito andar com Deus? Os que preferem Deus, da maneira
como foi representado, escolhem-no não apenas no fim, mas no meio. Preferem
estar com Deus a qualquer outro, não apenas quando chegam ao fim de sua
jornada, mas também enquanto estão na sua peregrinação. Preferem andar com
Deus, embora seja caminho de labor, e cuidado, e auto renúncia ao invés do
caminho do pecado, embora este seja caminho de ociosidade e gratificação das
luxúrias.
5. Se vocês pudessem passar a
eternidade neste mundo, escolheriam antes viver em circunstâncias humildes e
rebaixadas, tendo a graciosa presença de Deus, a viver para sempre na
prosperidade sem Ele? Prefeririam gastá-la no santo viver, servindo e andando
com Deus e no gozo dos privilégios de seus filhos? Deus, com frequência, se
manifestando a vocês como Pai, revelando-lhes a Sua glória, manifestando Seu
amor e levantando a luz do seu rosto sobre vocês! Escolheriam antes essas
coisas, embora em pobreza, a abundar nas coisas mundanas, vivendo na opulência
e prosperidade, e, ao mesmo tempo, sendo um estranho à aliança de Israel?
Poderiam se satisfazer em não estar em relação filial com Deus, não gozar de
gracioso relacionamento com Ele, não tendo direito algum de serem reconhecidos
como filhos? Ou tal vida, mesmo que com enorme prosperidade terrena, seria por
vocês estimada como miserável?
Se, apesar de tudo, vocês
permanecerem em dúvida, e com dificuldade em determinar se preferem verdadeira
e sinceramente Deus a todas as outras coisas, mencionarei duas coisas que são
os modos mais certos de determinar-se nesta matéria, e que parecem ser as
melhores bases de satisfação nela.
1. O sentimento de algum
particular, forte e vívido exercício de tal espírito. Uma
pessoa pode ter tal espírito que é referido na doutrina, e ter o exercício dele
em um grau inferior, e ainda assim permanecer em dúvida quanto a tê-lo ou não,
e ser incapaz de chegar a uma determinação satisfatória. Mas Deus se agrada de,
às vezes, dar descobertas de Sua glória, e da excelência de Cristo, a fim de
impelir o coração, para que saibam além de toda dúvida, que sentem o mesmo
espírito referido por Paulo quando disse que contava todas as coisas como perda
por causa da excelência de Cristo Jesus, seu Senhor, e possam dizer tão
ousadamente como ele, e como o salmista, no texto: “Quem mais tenho eu no
céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra.”
Em tais tempos o povo de Deus
não precisa da ajuda de ministros para satisfazê-los quanto a terem o
verdadeiro amor de Deus, pois claramente o veem e sentem; e o Espírito de Deus
então testemunha com seus espíritos que são filhos de Deus. Portanto, se vocês
estiverem satisfeitos a este ponto, e honestamente buscam tais realizações;
busquem para que possam ter claros e vívidos exercícios deste espírito. Para
este fim, devem se esforçar para crescer em graça. Embora tenham tido tais
experiências no passado, e elas os satisfizeram então, contudo, vocês podem
novamente entrar em dúvidas. Devem, portanto, buscar para que elas sejam mais
frequentes, e o caminho nessa direção é sinceramente seguir adiante, para que
tenham mais intimidade com Deus, e tenham os princípios da graça fortalecidos.
Este é o caminho para fortalecer os exercícios da graça, vivificá-los, e
torná-los mais frequentes, e assim serem satisfeitos em ter um espírito de amor
supremo a Deus.
2. O outro caminho é inquirir
se vocês preferem Deus a todas as coisas na prática, isto é, quando têm
a ocasião de manifestar pela sua prática aquilo que vocês preferem – quando
podem se apegar a um ou a outro, e devem esquecer-se de uma ou outra coisa, ou
de Deus – se então for seu costume na prática preferirem Deus a todas as outras
coisas, sejam elas quais forem, mesmo aquelas terrenas as quais seus corações
estão mais ligados. Suas vidas são apegadas a Deus, e o servem deste modo?
O que prefere sinceramente
Deus a todas as outras coisas em seu coração, o fará na sua prática. Pois
quando Deus e todas as outras coisas vierem a competir, esse é o teste
apropriado para saber o que um homem prefere; e a maneira de agir em tais casos
deve certamente determinar qual deve ser a escolha em todos os agentes livres,
ou aqueles que agem em escolha. Portanto, não há sinal de sinceridade mais
insistido na Bíblia que este: que neguemos a nós mesmos, vendamos tudo,
esqueçamos o mundo, tomemos a cruz, e sigamos Cristo aonde quer que Ele vá.
Portanto, corram dessa maneira, não na incerteza; assim lutem, não como quem
desfere socos ao ar; mas esmurrem seus corpos e os reduzam à escravidão. E ajam
não como se houvessem atingido a perfeição; mas fazendo uma coisa: “Esquecendo-me
das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão,
prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo
Jesus.” E 2 Pe 1.5: “Por isso
mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a
virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio;
com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a
piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas,
existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos,
nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo.”
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