Lucas 16:16 “A
Lei e os Profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo anunciado o
evangelho do reino de Deus, e todo homem se esforça por entrar nele.”
Nessas palavras, podem-se observar duas coisas:
Primeiro: em
que consistia a obra e ofício de João Batista, isto é, em pregar o reino de
Deus, preparar o caminho para sua introdução como sucessão da lei e dos
profetas. Por Lei e Profetas, na passagem, parece se ter em vista a velha
dispensação do Antigo Testamento, que foi recebida de Moisés e dos profetas.
É dito que vigoraram até João. Não
que as revelações dadas por eles estejam fora de uso desde então, porém a
condição da igreja fundada e regulada, sob Deus, por eles, a dispensação da
qual eram os ministros e de que a igreja dependia majoritariamente para receber
sua luz, continuou plenamente até João. Ele pioneiramente começou a introduzir
a dispensação do Novo Testamento, o estado evangélico da igreja, que com suas
bênçãos e privilégios gloriosos, espirituais e eternos é frequentemente chamado
de reino dos céus, ou reino de Deus. João Batista pregou que o reino de Deus
estava próximo. “Arrependei-vos”, dizia, “porque
o reino de Deus está próximo”.
“Desde esse tempo” diz Cristo, “vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus”. Primeiro João Batista o pregou, depois Cristo e
seus discípulos pregaram o mesmo: “Daí
por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está
próximo o reino dos céus.” (Mt 4.17) Da mesma forma, os discípulos foram
instruídos a pregar e a dizer: “e, à medida que seguirdes, pregai que está
próximo o reino dos céus.” (Mt 10.7)
Não foi João Batista, mas Cristo quem trouxe
plenamente e de fato estabeleceu este reino de Deus. Mas ele, como precursor de
Cristo, para preparar o caminho diante dele, fez a primeira coisa feita em
direção a sua inauguração. A antiga dispensação foi abolida e a nova trazida
gradualmente, como a noite progressivamente cessa, dando lugar ao crescente dia
que a sucede. Primeiro, surge a estrela da manhã. Depois, segue-se a luz do
sol, mas, a princípio, foscamente refletida no amanhecer do dia. Mas essa luz
fica mais forte e brilha mais e mais, e as estrelas que serviam para a luz
durante a noite precedente gradualmente se apagam, e suas luzes cessam, sendo
agora desnecessárias até que, afinal, o sol surge e ilumina o mundo por sua
própria luz direta, que fica mais forte à medida que sobe no horizonte, até que
a própria estrela da manhã gradualmente desaparece. Isso condiz com o que João
fala de si próprio em Jo 3.30: “Convém que ele cresça e que eu diminua.”
João foi o precursor de Cristo e o arauto da luz do evangelho, do mesmo modo
que a estrela da manhã é a precursora do sol. Ele teve o mais honroso ofício
que quaisquer dos profetas. Os outros previram a vinda de Cristo, João o
revelou como já vindo e teve a honra de ser o servo que veio imediatamente
antes dele, e de fato o introduziu e foi mesmo o instrumento relacionado à sua
solene inauguração, ao batizá-lo. Foi o maior dos profetas que veio antes de
Cristo, assim como a estrela da manhã é a mais brilhante (Mt 11.11). Veio para
preparar os corações dos homens para receber esse reino de Deus que Cristo
estava prestes a revelar e erigir mais plenamente: “e habilitar para o
Senhor um povo preparado” (Lc 1.17).
Segundo: podemos
observar em que consistiu seu sucesso, isto é, no fato de que, desde que
iniciou seu ministério, todo homem se esforçava pelo reino de Deus que ele
pregava. A grandeza do seu sucesso aparecia em duas coisas:
1. Na
generalidade dele com respeito aos objetos ou às pessoas em quem o sucesso se
mostrava: todo
homem. Esse é um termo de
universalidade, mas não pode ser tomado como universal com respeito aos
indivíduos, mas aos tipos, da mesma forma como esses termos universais são
usados com frequência nas Escrituras. Quando João apareceu, houve um espantoso
derramamento do Espírito Santo acompanhando sua pregação. Um despertamento
incomum e uma preocupação com a salvação aparecia na mente de todos os tipos de
pessoas, mesmo nas mais improváveis e naquelas de quem menos se esperaria tal
coisa. Por exemplo, os fariseus, que eram excessivamente orgulhosos e
autossuficientes, convencidos de sua própria sabedoria e justiça, que se
encaravam como mestres e desprezavam que os ensinassem. E os saduceus, uma
súcia de infiéis que negavam a ressurreição, anjos, espíritos, ou qualquer
estado futuro. De modo que o próprio João parece surpreso em vê-los virem a
ele, com tamanha preocupação por sua salvação, como em Mateus 3. 7: “Vendo
ele, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao batismo, disse-lhes: Raça
de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?” E, além desses, os
publicanos, que eram dos tipos mais infames, vinham a ele inquirindo acerca do
que deviam fazer para ser salvos. E os soldados que sem dúvida eram pessoas
profanas, libertinas e dissolutas, faziam o mesmo questionamento: “Foram
também publicanos para serem batizados e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos
de fazer? (Lc 3.12) “Também
soldados lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém
maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo.” (Lc 3.14)
2. Seu sucesso aparecia na maneira em que seus
ouvintes buscavam o reino de Deus: esforçavam-se por ele. Em outro
lugar é dito que eram violentos pelo reino dos céus, e o tomavam pela força. “E, desde os dias de João Batista até agora, se faz
violência ao Reino dos céus, e pela força se apoderam dele.” [ARC]
A doutrina que observo a partir dessas palavras é a
seguinte:
Compete a todos que
quiserem obter o reino de Deus esforçar-se por ele.
Ao discursar sobre esse assunto, eu:
Primeiro: mostrarei qual é
o modo de buscar a salvação que parece ser indicado na expressão esforçar-se
pelo reino de Deus.
Segundo,
dar as razões por que compete a todos que quiserem obter o
reino de Deus buscá-lo desse modo. Então, farei uma aplicação.
I.
Mostrarei que modo de buscar a salvação parece ser denotado por “esforçar-se
pelo reino de Deus.”
1. Essa expressão implica força de desejo.
Em geral, os homens que vivem sob a luz do evangelho -e que não são ateus -
desejam o reino de Deus, isto é, desejam ir para o céu e não para o inferno. A
maior parte deles, porém, não está muito preocupada com isso, ao contrário,
vive uma vida segura e descuidada. E alguns que estão muitos graus acima
desses, estando sob os despertamentos do Espírito de Deus, ainda assim não
estão se esforçando pelo reino de Deus. Mas, daqueles de quem se pode
verdadeiramente afirmar isso, têm fortes desejos de sair de sua condição
natural e obter um interesse em Cristo. Têm tal convicção da miséria do seu
estado presente e da extrema necessidade de se obter um melhor que suas mentes
estão, por assim dizer, possuídas e absortas em cuidados a esse respeito. Obter
a salvação lhes é o desejo acima de todas as coisas no mundo. Esse cuidado é
tão grande que em grande parte eclipsa os outros. Outrora, costumavam ter o
fluxo de seus desejos por outras coisas, ou pode ser que estivessem divididos
entre uma e outra. Mas quando vieram a atender à expressão no texto de esforçar-se
pelo reino de Deus, essa preocupação prevaleceu acima de todas as outras.
Tornou-as inferiores e, de certa maneira, monopolizou a preocupação da mente.
Essa busca da vida eterna deve não apenas ser uma preocupação que rivaliza com
outras em nossas almas, mas a salvação deve ser buscada como a única coisa
necessária (Lc 10. 42) e como a única desejada (Sl 27. 4).
2. Esforçar-se pelo reino dos céus denota
sinceridade e firmeza de resolução. Deve haver força de resolução,
acompanhada de força de desejo, como havia no salmista, no lugar há pouco
referido: “Uma coisa peço ao SENHOR, e a buscarei”. A fim de que haja
total engajamento da mente nesse assunto, ambos devem coexistir. Além do desejo
pela salvação, deve haver uma sincera resolução nas pessoas para buscarem esse
bem tanto quanto esteja em seu poder. Devem fazer tudo o que, no uso da máxima
força, estiver ao seu alcance para atender a cada dever e resistir e militar
contra toda forma de pecado, e em persistir nessa busca.
Duas coisas são necessárias na pessoa para que
tenha forte resolução: deve haver um senso da grande importância e
necessidade da misericórdia buscada, e um senso da oportunidade
de obtê-la, ou o encorajamento de buscá-la.
A força de
resolução depende do senso que Deus dá no coração a respeito dessas coisas.
Pessoas que não têm esse senso podem parecer a si mesmas resolutas. Podem, por
assim dizer, forçar uma promessa a si mesmas e dizer consigo: “Buscarei enquanto
eu viver, não descansarei enquanto não obtiver.” Mas nada fazem senão enganar a
si mesmas. Seus corações não estão comprometidos, nem tomam essas resoluções
como pensam que fazem. É mais uma resolução da boca que do coração, pois este
não está fortemente inclinado a cumprir o que a boca diz. A firmeza de
resolução reside na plenitude de disposição do coração em fazer o que está
resolvido a fazer. Os que se esforçam pelo reino de Deus têm disposição de
coração para fazer tudo o que for exigido e que esteja ao seu alcance, e nisso
persistir. Têm não apenas sinceridade, mas constância de resolução. Não buscam
com coração inconstante, por turnos ou acidentes, aqui e ali, mas a inclinação
constante da alma é, se possível, obter o reino de Deus.
3. Por esforçar-se
pelo Reino de Deus tem-se em mente a grandeza de esforço. É dito em
Eclesiastes 9:10 que “tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o
conforme as tuas forças.”
E essa é a consequência natural e necessária das duas coisas anteriormente
mencionadas. Onde há força de desejo e firmeza de resolução haverá esforços
correspondentes. Pessoas assim comprometidas em seus corações “se esforçarão por entrar pela porta estreita” e serão violentas pelos céus. Sua prática será
conforme o conselho do sábio em Provérbios 2, no início: “Filho meu, se
aceitares as minhas palavras e esconderes contigo os meus mandamentos, para
fazeres atento à sabedoria o teu ouvido e para inclinares o coração ao
entendimento, e, se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a
voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a
procurares, então, entenderás o temor do SENHOR e acharás o conhecimento de
Deus.” Aqui, a sinceridade no desejo e a firmeza de resolução são
significadas por inclinar o ouvido à sabedoria e aplicar o coração ao
entendimento, e a grandeza de esforço é denotada por clamar por conhecimento e
levantar a voz por entendimento, buscá-lo como a prata, e procurá-lo como por
tesouros escondidos. Esses desejos e resoluções e esses esforços andam juntos.
4. Esforçar-se pelo
Reino dos céus implica em compromisso e prontidão que se relacionem
diretamente à questão de se obter o reino de Deus. As pessoas podem
encontrar-se em grande exercício e aflição de mente com relação ao estado de
suas almas. Seus pensamentos podem estar grandemente comprometidos e tomados
por assuntos de natureza espiritual, e ainda assim não estarem se esforçando
pelo reino dos céus nem em direção a ele. O exercício de suas mentes não está
diretamente relacionado à obra de buscar a salvação, em uma
diligente atenção aos meios que Deus apontou para fazê-lo, mas em alguma outra
coisa que vai além de seus interesses. Pode ser sobre os decretos e propósitos
secretos de Deus, escrutinizando-os, buscando por sinais pelos quais possam
determinar, ou ao menos conjecturar, quais sejam eles antes que Deus os faça
conhecidos por suas realizações. Elas afligem suas mentes com temores de que
não sejam eleitas, ou de que tenham cometido o pecado imperdoável, ou de que
seu dia tenha passado e que Deus as tenha entregado à dureza judicial e final e
jamais pretenda lhes mostrar misericórdia, sendo-lhes, portanto, inútil buscar
a salvação. Ou então se confundem acerca da doutrina do pecado original, e
outras doutrinas misteriosas da religião que estão acima de suas compreensões.
Muitas pessoas que parecem estar em grande aflição acerca do estado eterno
futuro se aprofundam em coisas semelhantes a essas que somente as deixam
perplexas. Quando isso acontece, ainda que estejam muito preocupadas e comprometidas
em suas mentes, não se pode dizer que estejam se esforçando pelo Reino de Deus,
uma vez que seu exercício não está em seu dever, e sim naquilo que
serve de obstáculo a ele. Se são violentas, apenas trabalham
violentamente para confundir-se e colocar obstáculos em seus
próprios caminhos. Elas não andam para frente. Ao invés de progredir, nada
fazem senão perder tempo e, o que é pior, ao invés de lutar com os gigantes que
estão no caminho para impedi-las de entrar em Canaã, gastam seus tempos e esforços
brigando com as sombras que aparecem às margens da estrada.
Logo, não podemos julgar o grau de esperança do
caminho em que alguém se encontra, ou da sua probabilidade de sucesso em buscar
a salvação, apenas pela grandeza da preocupação e aflição em que se encontram.
Muitos têm desnecessárias aflições, sem as quais passariam muito melhor. Assim
ocorre com frequência a pessoas tomadas pela indisposição da melancolia, de
onde o adversário das almas costuma ganhar muito terreno. Porém, há pessoas no
caminho mais provável de se obter o reino dos céus, quando o intento de suas
mentes, e o engajamento de seus espíritos, está direcionado ao seu trabalho
apropriado na matéria, e a inclinação total de suas almas é atender os
meios de Deus, e fazer o que ele ordena e orienta. O apóstolo diz em 1 Co 9:26:
“Assim luto, não como desferindo
golpes no ar.” Nosso tempo é curto o suficiente. Há dificuldades
reais e inimigos o suficiente para as pessoas encontrarem, e empregarem com
eles todas as forças. Elas não precisam gastá-las lutando com fantasmas.
5. Por esforçar-se
pelo reino de Deus é denotado um rompimento com a oposição e as
dificuldades. Há na expressão um claro alerta de dificuldade. Se não
houvesse oposição e o caminho fosse claro e aberto, não haveria necessidade
alguma de se esforçar para prosseguir. Aqueles, portanto, que estão se
esforçando pelo reino de Deus prosseguem com tal ousadia que rompem com as
dificuldades que estão no seu caminho. Estão tão sedentos pela salvação que as
coisas que desencorajam os outros e os detêm, fazendo-os retroceder, não lhes
impedem, mas passam por elas. A resolução das pessoas pelo céu deve ser tal
que, sehouver meios de obtê-lo, elas o obterão. Sejam
esses meios difíceis ou fáceis, favoráveis ou não, se forem requisitos para a
salvação, elas se ocuparão deles. Quando algo estiver presente a ser feito, a
pergunta não deve ser: “É difícil ou fácil? É conforme minha inclinação e
interesse carnal ou contrário a eles?”; mas sim: “É um meio requerido para
obter um interesse em Jesus Cristo e na salvação eterna?” Assim o apóstolo em
Fl 3:11, diz: “para,
de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos.”
Ele nos diz, no contexto, por quais dificuldades passou, tendo sofrido a perda
de todas as coisas; estava voluntariamente conformado até mesmo à morte de Cristo,
ainda que isso fosse acompanhado com tormento e ignomínia extremos.
Aquele que está se esforçando pelo reino de Deus
comumente encontra no caminho muitas coisas que são contrárias às suas
inclinações naturais. Mas não é impedido pela cruz que está diante de si, porém
a toma e a carrega. Suponhamos que haja algo que seja seu dever fazer, que,
porém, seja contrário a seu temperamento natural, e por algum motivo seja
enfadonho para ele. Suponha algo que não possa fazer sem que haja prejuízo ao
seu status, ou que perceba que parecerá exótico e estranho aos
olhos dos outros, e que o exporá ao ridículo e à reprovação; ou algo que será
ofensivo a um conhecido e atrairá a sua má vontade, ou algo que será muito
oposto ao seu próprio apetite carnal – ele se esforçará para vencer
essas dificuldades. Tudo o que descobrir ser um peso que o impeça nessa
carreira lançará fora de si, ainda que seja o peso de ouro ou pérolas, sim,
seja até mesmo a mão ou o pé direitos que o ofendem, ele os arrancará, e não
hesitará em arrancar o olho direito com suas próprias mãos. Essas coisas são
dificuldades insuperáveis para os que não se encontram completamente
comprometidos na busca da salvação. São pedras de tropeço que jamais conseguem
sobrepujar. Mas isso não ocorre com aquele que está se esforçando pelo reino de
Deus. Aquelas coisas com as quais, antes que fossem completamente despertos de
sua segurança [carnal], costumavam ter longos palavreados e disputas com sua
própria consciência, empregando razão carnal para inventar argumentos e meios
de desculpa – agora ele as rejeita. Põe termo a essas disputas e raciocínios
infindáveis e empurra violentamente através de toda dificuldade. O que quer que
esteja no caminho, o céu é o que ele deve obter e obterá, não que o possa fazer
sem dificuldade, mas se for possível [o fará]. Ele se encontra com a tentação:
o diabo está sempre sussurrando em seus ouvidos, pondo distrações diante dele,
exagerando as dificuldades do trabalho que tem pela frente, dizendo-lhe que
este é insuperável e que jamais o conquistará, e tenta tudo o que for possível
para desencorajá-lo. Ainda assim ele se esforça. Deus deu e mantém tal avidez
de espírito pelo céu que o diabo não interromperá seu curso. Ele não tem tempo
livre para emprestar o ouvido ao que o diabo tem a dizer.
Prossigo agora:
II. Para mostrar por
que o reino do céu deve ser buscado desse modo. Deve ser buscado
assim:
1. Devido à extrema necessidade
que temos desse reino. Temos uma necessidade premente dele, pois sem o céu
estamos completa e eternamente perdidos. Fora do reino de Deus não há
segurança, não há lugar protegido. Esta é a única cidade de refúgio na qual
estaremos seguros do vingador que persegue os ímpios. A vingança de Deus
perseguirá, prevalecerá e destruirá eternamente os que não estiverem nesse
reino. Todos os que estiverem sem este selo serão engolidos na inundação de um
dilúvio ardente de ira. Podem ficar à porta e bater, clamando: “Senhor, Senhor,
abra-nos!” Em vão. Serão rejeitados e Deus não terá compaixão deles. Serão
deixados para sempre sem Ele. Sua terrível vingança os abaterá. Os demônios os
possuirão e todo mal virá sobre eles; não haverá ninguém para se compadecer ou
ajudar. Sua situação será completamente desesperadora e infinitamente dolorosa.
Será um caso perdido, quando todas as ofertas de misericórdia e expressões da
bondade divina forem finalmente retiradas, e toda esperança estiver perdida.
Deus não terá nenhuma espécie de preocupação com o seu bem-estar. Não terá
cuidado em salvá-los de qualquer inimigo ou males. Mas ele próprio será o
terrível inimigo deles, e executará sua ira com fúria, e tomará vingança de uma
maneira inexprimivelmente terrível. Como estarão perdidos e arruinados os
que estiverem nesse estado! Serão afogados na perdição, infinitamente mais profunda
do que possamos imaginar. Pois quem conhece o poder da ira de Deus [Sl 90:11]?
E quem conhece a miséria do pobre verme sobre quem essa ira é executada sem
misericórdia?
2. Devido à
exiguidade e incerteza da oportunidade de entrar nesse reino.
Quando alguns dias se passarem, toda oportunidade desaparecerá. Nosso dia é
limitado. Deus fixou nossos limites e não o conhecemos. Enquanto as pessoas
estiverem fora desse reino estão em perigo a cada momento de serem tomadas pela
fúria. Não sabemos o momento em que passaremos dessa linha, além da qual não há
obra, projetos, conhecimento ou sabedoria. Portanto devemos fazer o nosso dever
com todas as nossas forças (Ec 9.10).
3. Devido à dificuldade de
entrar no reino de Deus. Há inúmeras delas pelo caminho, de tipos que poucos
vencem. A maior parte que tenta não tem resolução, coragem, ousadia e
constância o suficiente, mas falham, desistem e perecem. As dificuldades são
muitas e grandes demais para os que não se esforçam violentamente. Nunca
prosseguem, mas ficam pelo caminho, voltam, e caem em ruína. Mt 7.14: “Porque estreita é a porta, e apertado, o caminho
que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela.” Lc
13.24: “Respondeu-lhes:
Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão
entrar e não poderão.”
4. Devido à possibilidade de
obtê-lo. Embora seja acompanhada de tanta dificuldade, contudo, não é coisa
impossível: “Arrepende-te,
pois, da tua maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do
coração.” (At 8.22) “Disciplinando com mansidão os que se opõem, na
expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem
plenamente a verdade.” (2 Tm 2.25). Seja qual for o grau de
pecado de alguém, e quaisquer que sejam suas circunstâncias, há, apesar de
tudo, uma possibilidade de salvação. Ele próprio é capaz e Deus pode realizá-la
e tem misericórdia suficiente para isso. E há provisão suficiente feita por
Cristo, que Deus pode fazer em harmonia com a honra de sua majestade, justiça e
verdade. De modo que não há falta nem de suficiência em Deus, nem de capacidade
no pecador para que isso aconteça. O maior e mais vil dos pecadores, o mais
cego e sugo, o de coração mais endurecido é um sujeito capaz da luz e graça
salvadoras. Visto que há tamanha necessidade de obter o reino de Deus, e tempo
tão escasso, e tamanha dificuldade, contudo, havendo a possibilidade, ela pode
bem nos induzir ao esforço (Jn 3.8,9).
5. É adequado que o
reino do céu seja buscado assim, devido à sua grande excelência. Estamos
dispostos a buscar coisas terrenas, de valor trivial, com grande diligência e
através de muitas dificuldades. Portanto, certamente nos interessa buscar com
grande avidez o que for de valor e excelência infinitamente maior. E como Deus
bem pode esperar e requerer de nós que o busquemos de tal modo, a fim de
obtê-lo!
6. Tal maneira de
buscar é necessária para preparar as pessoas para o reino de
Deus. Tal avidez e profundidade de esforços é o meio ordinário que Deus usa
para trazer as pessoas ao reconhecimento de si mesmas; a uma contemplação de
seus próprios corações; a um senso de seu abandono e ao desespero de sua força
e justiça própria. E esse comprometimento e constância em buscar o reino dos
céus preparam a alma para recebê-lo mais alegre e agradecidamente, e a mais
altamente prezá-lo e valorizá-lo quando obtido. De modo que é por misericórdia
a nós, bem como para a glória de seu próprio nome, que Deus apontou essa busca
ávida como sendo o modo pelo qual concede o reino do céu.
APLICAÇÃO
O uso que farei dessa
doutrina é o de exortação a todas as pessoas que estão sem
Cristo para que se esforcem pelo reino de Deus. Alguns de vocês se perguntam
quanto ao que farão? Vocês parecem desejar saber de que maneira a salvação deve
ser buscada e qual o modo mais provável de obtê-la. Vocês ouviram agora a
maneira que a santa Palavra de Deus instrui. Alguns estão buscando, mas não se
pode dizer que estejam se esforçando pelo reino dos céus. Há
muitos que no passado buscaram a salvação, mas não dessa maneira, e nunca a
obtiveram, mas estão agora no inferno. Alguns a buscaram ano após ano, mas
falharam e no fim pereceram. Foram surpreendidos com a ira divina e agora
sofrem a terrível miséria da condenação, e não têm descanso nem de dia nem de
noite, não tendo mais oportunidade de buscar, mas devem sofrer e ser miseráveis
por todas as infindáveis eras da eternidade. Seja exortado, portanto, a não
buscar a salvação do modo que eles buscaram, mas que o reino do céu sofra
violência por você.
Aqui, primeiramente
responderei a uma ou duas objeções, e então prosseguirei para dar
algumas instruções de como se esforçar pelo reino de Deus.
Objeção 1: Alguns podem se apressar em
dizer: “Não podemos fazer por nós mesmos. Essa força de desejo e firmeza de
resolução de que tenho falado estão fora de alcance. Se eu me esforçar para ser
resoluto e buscar com comprometimento de espírito, descobrirei que falharei.
Meus pensamentos estão no presente longe da questão, sinto-me apático e minha
resolução relaxada, não importa o que faça.”
Resposta:
1. Embora o comprometimento de mente não esteja
imediatamente em seu poder, contudo a consideração do que foi dito até aqui
acerca da necessidade dele pode ser um meio de despertá-lo. É
verdade, as pessoas jamais estarão plenamente comprometidas nessa questão a
menos que seja pela influência de Deus. Porém, Ele influencia pessoas usando
meios. As pessoas não são incitadas a uma completa seriedade sem algumas
considerações que as movam em direção a isso. E se nada mais for feito a não
ser sensibilizar as pessoas da necessidade da salvação, e de quão escasso e
incerto é o tempo, mostrando-lhes, contudo, que têm uma oportunidade e que há
possibilidade de obtê-la, nada mais precisarão para que se comprometam e
decidam nessa matéria. Se vemos as pessoas relaxadas e indecisas é porque não
consideraram suficientemente essas coisas.
2. Ainda que forte desejo e resoluções de mente não
estejam em seu poder, contudo as dores do esforço estão. Está em seu poder
sofrer no uso dos meios, na verdade, sofrer bastante. Você pode se afligir
bastante e ser diligente em vigiar o coração e lutar contra o pecado. Ainda que
haja todo tipo de corrupção no coração, continuamente pronta para operar,
contudo você pode, a duras penas, vigiar e lutar contra essas corrupções. Está
em seu poder com grande diligência responder à questão do seu dever relacionado
a Deus e ao próximo. Está em seu poder atender a todas as ordenanças e a todos
os deveres públicos e privados da religião, e isso com todas as forças. Seria
uma contradição supor que alguém não possa fazer essas coisas com todas as
forças que tem, embora não possa fazê-las com mais força do que tem. A apatia e
inércia do coração e a indolência de disposição não impedem os homens de serem
capazes de se esforçar, ainda que os impeçam de exercer suas vontades. Uma das
coisas onde pode se mostrar o seu labor é na luta contra sua própria apatia. O
fato de os homens terem o coração morto e inerte não justifica que não possam
se esforçar; longe disso, é o que dá ocasião para o esforço. Essa é uma das
dificuldades no caminho do dever, contra a qual as pessoas devem lutar, e que
dá ocasião à luta e ao labor. Se não houvesse dificuldades acompanhando a busca
da salvação não haveria ocasião para a luta, uma pessoa não teria nada contra o
que lutar. Há, de fato, uma enorme porção de dificuldade atendendo a todos os
deveres requeridos daqueles que querem obter o reino dos céus. É extremamente
difícil guardar os pensamentos; é muito difícil considerar coisas da maior
importância de maneira séria, ou com bons propósitos. É difícil ouvir, ou ler,
ou orar com atenção. Mas o fato de serem difíceis não justifica que não se deva
lutar com elas, ao contrário, deve-se lutar exatamente porque são difíceis.
Pois o que há senão dificuldades para aquele que deve lutar ou brigar em
qualquer assunto ou negócio? A prontidão de mente e a diligência de esforço
tendem a promover uma à outra. Aquele que tem um coração sinceramente
comprometido se esforçará; e o que é diligente e laborioso em todo dever
provavelmente não demorará muito antes que descubra que a sensibilidade de seu
coração e sinceridade de espírito [foram] grandemente aumentadas.
Objeção
2. Alguns podem objetar que, se estiverem dispostos e
se esforçarem grandemente estarão em perigo de confiar no que fazem; têm medo
de fazer seu dever, pois temem tomá-lo como justiça [própria].
Resposta. Comumente não há um tipo de pessoa que busque [o
reino dos céus] que confie mais no que faz do que os preguiçosos e apáticos.
Ainda que todos os que buscam a salvação e ainda não foram objetos de completa
humilhação de fato confiem em sua justiça própria, contudo alguns confiam mais
plenamente que outros. Alguns, ainda que confiem em sua
justiça própria, não estão satisfeitos com ela. E os que estão
mais incomodados na sua autoconfiança (e, portanto, no caminho mais provável
para se verem livres dela) não são dos tipos que procedem em um caminho
negligente de busca, mas são os mais sinceros e plenamente comprometidos. Isso
ocorre em parte por que desse modo a consciência é mantida mais sensível. Uma
consciência desperta não descansará tão relaxadamente nos deveres morais e
religiosos, como ocorre com a menos desperta. A consciência do buscador apático
em grande medida ficará satisfeita e relaxada com suas próprias obras e
realizações, porém quem está inteiramente desperto não pode ser acalmado ou pacificado
com coisas semelhantes a essas. Nesse caminho, as pessoas ganham muito mais
conhecimento de si e familiaridade com os próprios corações do que no caminho
da busca negligente e descuidada, pois naquele têm muito mais experiência de si
mesmas. É a experiência de nós mesmos e o descobrir de quem nós somos que Deus
geralmente usa como o meio para nos afastar de toda autodependência. Mas não há
caminho mais rápido para os homens adquirirem familiaridade consigo mesmos do
que neste da ávida busca. Os que estão nesse caminho têm mais para se preocupar
do que os outros, ao pensarem sobre seus pecados e vigiarem estritamente a si
mesmos, e ao lidarem com seus próprios corações. Essas pessoas têm mais
experiência de sua própria fraqueza do que aquelas que não exercem e testam sua
força e, desse modo, irão em breve se ver mortas no pecado. Essa pessoa, embora
tenha disposição para continuamente voar em direção à própria justiça, contudo
em nada acha descanso; ela vaga de um lugar para outro, buscando algo para acalmar
sua consciência inquieta. É levada de um refúgio para outro, da montanha para a
colina, buscando descanso e não achando. Portanto, em breve descobrirá que não
há descanso a ser achado, nem confiança a ser posta em nenhuma criatura.
Quando sairá as outras 3 partes?
ResponderExcluirEstou planejando uma revisão total do texto e o término da tradução para breve.
Excluirgloria a Deus
ResponderExcluirGostaria muito que fosse completado o sermão. É muito necessário e útil.
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