“Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às
igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte,
em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam
coletas quando eu for.” (1 Coríntios
16: 1, 2)
A doutrina fundamentada
nestas palavras é que: é a intenção e vontade de Deus que o primeiro dia da
semana deva ser especialmente separado entre os cristãos para os exercícios e
deveres religiosos.
Propus-me a discursar sobre
esta doutrina usando duas proposições, e já havendo, na primeira, me esforçado
por provar que um dia da semana deve, em todas as eras, ser devotado aos exercícios
religiosos, prossigo agora para a proposição seguinte:
Proposição II. É a vontade de Deus que, na dispensação
do evangelho, ou na igreja cristã, este dia seja o primeiro da semana.
A fim de confirmarmos isto,
considere-se o seguinte:
1. As palavras do quarto
mandamento não representam objeção contra este dia, ou qualquer outro, ser o Sabbath. Que este que, de acordo com o
cálculo judaico, é o primeiro dia da semana, deva ser guardado como um Sabbath, não contradiz qualquer sentença
ou palavra do quarto mandamento mais do que se o sétimo for tal dia. As
palavras do quarto mandamento não determinam que dia da semana devemos guardar
como um Sabbath; elas meramente
determinam que devemos descansar e guardar como um Sabbath todo sétimo dia, ou um dia depois de cada seis. Diz: “Seis dias trabalharás e farás toda a tua
obra.” E, no sétimo, descansarás. Isto implica nada mais que, após seis
dias de trabalho, devemos descansar e santificar o próximo dia depois do sexto.
E esta é nossa obrigação perpétua. Mas as palavras, de forma alguma, determinam
quando estes seis dias devem começar, e, dessa maneira, quando o descanso ou Sabbath deve cair. Não há instrução no
quarto mandamento sobre como computar o tempo, ou seja, onde iniciá-lo e
terminá-lo; supõe-se que isto seja determinado em outra parte.
Os judeus não sabiam, pelo
quarto mandamento, onde começar esses seis dias, e em que dia particular
descansar; isto foi determinado por outro preceito. O quarto mandamento, de
fato, supõe um determinado dia particular, mas não aponta esse dia. Ele exige
que descansemos e santifiquemos um dia sétimo, um a cada seis dias de labor,
dia esse que Deus ou apontara ou haveria de apontar. Esse dia particular foi
determinado para aquela nação em outro lugar, isto é, em Êxodo 16:23, 25, 26: “Respondeu-lhes
ele: Isto é o que disse o SENHOR: Amanhã é repouso, o santo sábado do SENHOR; o
que quiserdes cozer no forno, cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o
em água; e tudo o que sobrar separai, guardando para a manhã seguinte. Então,
disse Moisés: Comei-o hoje, porquanto o sábado é do SENHOR; hoje, não o
achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é o sábado; nele,
não haverá.” Este é o primeiro lugar que temos menção feita ao sábado,
desde o primeiro sábado em que Deus descansou.
Parece que os israelitas, no
seu tempo de cativeiro no Egito, haviam perdido a verdadeira contagem dos dias
da semana, contagem essa advinda do primeiro dia da criação. Eram escravos, em
cruel servidão, e haviam em grande parte esquecido a verdadeira religião, pois
nos é dito que serviam aos deuses do Egito. Não se deve pensar que os egípcios
permitiriam que seus escravos descansassem do trabalho a cada sétimo dia. Ora,
tendo permanecido por tanto tempo na servidão, eles provavelmente perderam o
cálculo semanal; portanto, Deus, ao tirá-los do Egito e levá-los ao deserto,
torna-lhes conhecido o sábado, na ocasião e na maneira registradas no texto já
citado. Assim, lemos em Neemias que, quando Deus tirou os filhos de Israel do
Egito, deu-lhes a conhecer seu santo sábado: “O teu santo sábado lhes fizeste conhecer.” Da mesma forma, lemos em
Ezequiel 20:10, 12: “Tirei-os da terra do Egito e os levei para o
deserto. Também lhes dei os meus sábados.”
Mas, pelo quarto mandamento,
jamais saberiam quando cairia esse dia específico. Na verdade, o quarto
mandamento, como expresso aos judeus, referia-se, de fato, ao Sabbath judaico. Mas isso não prova que
o dia foi determinado e apontado por ele. O preceito no quarto mandamento deve
ser tomado, na sua generalidade, como um sétimo dia que Deus havia de apontar,
ou já teria apontado. E, por que tal dia específico já havia sido
apontado para a congregação de Israel, portanto, como foi falado a eles,
referia-se de fato àquele dia em particular. Mas, isto não prova que as
palavras não se refiram a outro sétimo dia, determinado agora na Igreja cristã.
As palavras do quarto mandamento podem obrigar a Igreja, sob diferentes
dispensações, a observar determinados dias sétimos diferentes, bem como o
quinto mandamento pode obrigar diferentes pessoas a honrar diferentes pais e
mães.
O Sabbath cristão, no sentido do quarto mandamento, é tanto o sétimo
dia quanto o Sabbath judaico, pois é
guardado após seis dias de trabalho como aquele; é o sétimo, contando do início
do nosso primeiro dia de trabalho, bem como aquele era o sétimo desde o início
da semana de trabalhos deles. Toda a diferença é que os sete dias,
anteriormente, começavam no dia posterior ao descanso de Deus na criação, e
agora começam um dia depois desse. Não importam os nomes pelos quais são
chamados: se nossa nação houvesse, por exemplo, chamado o primeiro dia da
semana de Wednesday (quarta-feira), seria irrelevante para esta argumentação.
Portanto, na instituição do
sábado cristão, não há mudança no quarto mandamento; mas a mudança é em outra
lei, que determinava o início e o fim dos dias de trabalho dos judeus. De modo
que as palavras do quarto mandamento: “Seis
dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do
SENHOR, teu Deus”, não contradizem aquilo que chamamos de sábado cristão,
pois elas ainda vigoram plenamente. Nem surge qualquer objeção justa das
palavras seguintes: “porque, em seis
dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo
dia, descansou; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou.”
Estas palavras não se tornam insignificantes para os cristãos, pela instituição
do Sabbath cristão: elas ainda
permanecem em total vigor naquilo que especialmente se pretende por elas. Têm
como propósito nos dar uma razão de por que não devemos trabalhar senão seis
dias, e descansar no sétimo, pois este é o modelo dado por Deus. E, tomadas
assim, permanecem com tanto vigor como sempre estiveram. Esta ainda é a razão
pela qual, como já é o costume, não podemos trabalhar senão num turno de seis
dias. Por que razão os cristãos descansam a cada sete, e não oito, nove, ou dez
dias? É porque Deus trabalhou seis dias e descansou no sétimo.
É verdade, estas palavras de
fato carregam algo mais em seu sentido, na maneira em que foram pronunciadas
aos judeus e à Igreja antes da vinda de Cristo. Por elas, também se pretendia
que o sétimo dia fosse guardado como uma celebração da obra da criação. Mas
isto não representa objeção à suposição de que as palavras, no que se referem a
nós, não carregam todos os sentidos que tinham em relação aos judeus. Pois
também há outras palavras que foram escritas sobre as tábuas de pedra com os
dez mandamentos, que são conhecidas e concorda-se que não tenham o mesmo
sentido para nós daquele que tinham para os judeus. Um exemplo são as do
prefácio aos dez mandamentos: “Eu sou o
Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.”
Estas palavras foram escritas nas tábuas de pedra com as demais, e são ditas a
nós, da mesma forma que aos judeus: são faladas a todos a quem os mandamentos
são direcionados, pois são um reforço a eles. Entretanto, não têm o sentido
completo que tinham para os judeus. Pois nunca fomos tirados do Egito, da casa
da servidão, a não ser num sentido místico. O mesmo pode ser dito daquelas
palavras que estão inseridas nos próprios mandamentos, como em Deuteronômio 5:15: “porque te lembrarás que foste servo na terra
do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão poderosa e braço estendido;
pelo que o SENHOR, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado.”
Portanto, todos os argumentos daqueles que são contra o Sabbath cristão, advindos do quarto mandamento, e que se apoiam
inteiramente nele, reduzem-se a nada.
2. O fato de que a Igreja
antiga foi ordenada a guardar um sétimo dia, em comemoração à obra da criação,
é um argumento para a guarda de um Sabbath
semanal em comemoração à obra da redenção, e não uma razão contrária a ela.
Lemos na Escritura a respeito
de duas criações, a antiga e a nova: e estas palavras do quarto mandamento
devem ser tomadas como de mesma força para aqueles que pertencem à nova
criação, com respeito a essa nova criação, como ocorria com os que pertenciam à
antiga, com respeito a ela. Lemos que “No
princípio criou Deus os céus e a terra,” e a antiga igreja devia comemorar
essa obra. Mas quando Deus cria um novo céu e uma nova terra, os que pertencem
a esse novo céu e nova terra, por razões análogas, devem comemorar essa nova
criação.
As Escrituras nos ensinam a
encarar a antiga criação como se estivesse destruída e, por assim dizer,
aniquilada pelo pecado; ou como se reduzida novamente ao caos, sem forma e
vazia, como era no princípio. “São sábios
para o mal e não sabem fazer o bem. Olhei para a terra, e ei-la sem forma e
vazia; para os céus, e não tinham luz.” Ou seja, estavam reduzidos ao mesmo
estado do princípio; a terra estava sem forma e vazia, e nela não havia luz,
porém as trevas estavam sobre a face do abismo.
As Escrituras nos ensinam a
chamar a restauração e redenção do evangelho de criação de um novo céu e nova
terra: “Pois eis que eu crio novos céus e
nova terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória
delas.” E em Isaías 51:16: “Ponho as minhas palavras na tua boca e te protejo
com a sombra da minha mão, para que eu estenda novos céus, funde nova terra e
diga a Sião: Tu és o meu povo.” E no capítulo 66:22: “Porque, como os novos
céus e a nova terra, que hei de fazer,” etc. Nestes lugares, somos
informados não apenas de uma nova criação, ou de um novo céu e de uma nova
terra, mas somos informados qual é o sentido disso, isto é, a renovação do
evangelho, a transformação de Jerusalém em júbilo, e de seu povo em alegria;
dizendo a Sião: “Tu és o meu povo.” O
profeta, nestas passagens, profetiza a respeito da redenção do evangelho.
O estado do evangelho em toda
parte é descrito como um estado renovado das coisas, onde as antigas passaram,
e tudo se fez novo: é dito de nós que somos criados por Cristo Jesus para as
boas obras; todas as coisas são restauradas e reconciliadas quer no céu, quer
na terra, e Deus faz a luz brilhar nas trevas, como fez no princípio: e a
dissolução da comunidade judaica sempre foi mencionada no Antigo Testamento
como o fim do mundo. Mas nós, que pertencemos à igreja sob o evangelho,
pertencemos à nova criação; portanto, parece haver, no mínimo, tanta razão para
celebrar esta obra da criação, quanto havia, para os membros da velha igreja
judaica, em celebrar a antiga.
3. Há outra coisa que
confirma que o quarto mandamento ensina que Deus descansa tanto da nova quanto
da antiga criação: as Escrituras expressamente falam de uma em paralelo com a
outra, isto é, o descanso de Cristo da obra da redenção é expressamente
referido como sendo paralelo ao descanso de Deus da obra da criação. Hb 4:10: “Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo
descansou de suas obras, como Deus das suas.”
Ora, Cristo descansou de sua
obra quando ressurgiu dos mortos, no primeiro dia da semana. Quando
ressuscitou, terminou sua obra de redenção; sua humilhação então chegou ao fim;
descansou, e foi alentado. Quando é dito: “portanto,
resta um repouso para o povo de Deus.” A palavra original é sabbatismos, ou a guarda de um Sabbath: e a razão dada é a seguinte: “Porque aquele que entrou
no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como
Deus das suas.” São-nos, no mínimo, ensinadas três coisas nestas palavras:
a) a encarar o descanso de
Cristo de sua obra da redenção como paralelo ao descanso de Deus da obra da
criação; pois são expressamente comparados, como paralelos um ao outro;
b) são referidos como
paralelos, particularmente em referência ao seguinte: à relação que ambos têm
com a guarda de um Sabbath entre o
povo de Deus, ou com respeito à influência que estes dois descansos têm, quanto
ao sabbatismos na igreja de Deus,
pois é expressamente a este respeito que são comparados. Aqui há uma referência
evidente a Deus abençoar e santificar o seu dia de descanso na criação como um Sabbath e apontar um Sabbath de descanso em imitação a ele.
Pois disto fala o apóstolo no v. 4:
“Porque, em certo lugar, assim disse, no
tocante ao sétimo dia: E descansou Deus, no sétimo dia, de todas as obras que
fizera.” Assim, até aqui é evidente o que o apóstolo tem em vista por esta
guarda de um Sabbath pelo povo de
Deus, quer seja um descanso semanal na terra, ou um descanso no céu;
c) é evidente nestas palavras
que a preferência é dada ao último, isto é, ao descanso de nosso Salvador de
sua obra, com respeito à influência que deveria ter, ou relação que sustenta,
ao descanso do povo de Deus agora, sob o evangelho, evidentemente implícito na
expressão: “Portanto, resta
um sabbatismos para o povo de Deus.” Pois, na palavra resta é intimado que o antigo sabbatismos, apontado em lembrança do
descanso de Deus da obra da criação, não permanece, mas cessou; e que este novo
descanso, em comemoração ao descanso de Cristo de suas obras, resta no lugar
dele.
4. O Espírito Santo nos disse
implicitamente que o Sabbath que foi
instituído em comemoração à antiga criação, não deveria ser mantido nos tempos
do evangelho (Is 65:17, 18). Nesta
passagem, aprendemos que, quando Deus criasse novos céus e nova terra, a antiga
não deveria ser lembrada, nem vir à mente. Se isso for verdade, não se pode
pensar que devemos guardar uma sétima parte do tempo, com o fim de rememorar e
trazer à mente a antiga criação.
Entendamos isto da forma que
quisermos: não será consistente com a guarda de um dia em sete, na igreja
evangélica, [se isto for feito] principalmente para a lembrança e rememoração
da antiga criação. Se o sentido da passagem for apenas esse, que a velha
criação não seja lembrada e rememorada em comparação com a nova e que a nova
será muito mais notável e gloriosa, [então], isso muito mais intimamente nos
dirá respeito, e muito mais deve ser observado e considerado digno de ser
lembrado e comemorado, pois desse modo nos ensina o Espírito Santo que a Igreja
cristã tem muito mais razão em comemorar a nova criação que a antiga; ao ponto
que a antiga é digna de ser esquecida em comparação à nova.
E, assim como a antiga
criação não devia ser lembrada, nem vir à mente; da mesma maneira, no versículo
seguinte, a Igreja é orientada a comemorar para sempre a nova criação: “Mas vós folgareis e exultareis perpetuamente
no que eu crio; porque eis que crio para Jerusalém alegria e para o seu povo,
regozijo.” i. e, embora esqueçais
a antiga, contudo lembrai-vos para sempre, até o final dos tempos, da nova
criação.
5. É um argumento contra a
perpetuidade do Sabbath judaico o
fato de que os judeus eram ordenados a guardá-lo como lembrança de sua
libertação do Egito. Uma das razões de sua instituição foi que Deus os
libertou, como é-nos expressamente dito: “porque
te lembrarás que foste servo na terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te
tirou dali com mão poderosa e braço estendido; pelo que o SENHOR, teu Deus, te
ordenou que guardasses o dia de sábado.” Ora, alguém pode imaginar que Deus
iria ordenar a todas as nações sob o evangelho, até o fim do mundo, que guardassem
um dia da semana que foi instituído como lembrança da libertação dos judeus do
Egito?
6. O Espírito Santo nos disse
implicitamente que memoriais instituídos da libertação dos judeus do Egito não
deveriam ser mantidos nos tempos evangélicos (Jeremias 26:14, 15) O Espírito, falando dos tempos do evangelho,
diz: “Portanto, eis que vêm dias, diz o
SENHOR, em que nunca mais se dirá: Tão certo como vive o SENHOR, que fez subir
os filhos de Israel do Egito.” Não mais dirão: tão certo como vive o Senhor
que fez subir, etc., isto é,
pelo menos não manterão mais nenhum memorial público disso.
Se houver um Sabbath a ser mantido nos tempos do
evangelho, como mostramos que há, é mais justo supor, a partir dessas palavras,
que ele deve ser como um memorial daquilo que é referido no ultimo versículo, a
subida de Israel da terra do norte, ou seja, a redenção de Cristo, e o fato de
ele trazer os eleitos para casa, não apenas da Judeia, mas do norte, e de todos
os cantos do mundo. Veja Isaías 43:16-20.
7. Não é senão justo supor
que Deus pretendia nos intimar que o Sabbath
devesse ser guardado pelos cristãos em comemoração à redenção de Cristo, ao
dizer que foi ordenado como lembrança da libertação dos israelitas do Egito.
Isso porque a libertação do Egito é um tipo evidente e conhecido da redenção.
Ela foi ordenada por Deus, tendo como propósito representar esta redenção; tudo
acerca dessa libertação era típico, e é muito aproveitada principalmente por
isso, por ser tão notavelmente um tipo da redenção de Cristo. E não foi senão
uma sombra, a obra em si não foi nada em comparação com a da redenção. O que é
uma pequena libertação de uma nação da escravidão temporal comparada à salvação
eterna de toda a igreja dos eleitos, em todas as eras e nações, da condenação
eterna, e a sua introdução, não em uma Canaã temporal, mas nos céus, em glória
e benção eterna? Esta sombra deveria ser comemorada de tal maneira que um dia
semana foi reservado para isto; e não deveríamos nós muito mais comemorar essa
grande e gloriosa obra da qual este [Sabbath]
não era senão uma sombra?
Além disso, as palavras do
quarto mandamento que falam da libertação do Egito não têm sentido para nós, a
menos que sejam interpretadas à luz da redenção do evangelho. Porém, as
palavras do decálogo são faladas a todas as nações e épocas. Portanto, as
palavras como foram ditas aos judeus referiam-se a um tipo, ou sombra; como são
faladas a nós, devem ser interpretadas como um antítipo
e substância, pois o Egito do qual fomos redimidos sob o evangelho é o
espiritual; a casa da servidão da qual somos libertos é um estado de escravidão
espiritual. Portanto, as palavras, como faladas a nós, devem ser assim
interpretadas: “Lembra-te que foste um
servo do pecado e de Satanás, e o Senhor, teu Deus, te libertou desta escravidão,
com mão poderosa e braço estendido; portanto o Senhor, teu Deus, te ordenou que
guardasses o dia de sábado”.
Como as palavras no prefácio
aos dez mandamentos, sobre tirar os filhos de Israel para fora do Egito, são
interpretadas em nosso catecismo, e enquanto têm relação conosco, devem ser
interpretadas no sentido da nossa redenção espiritual, assim, por um motivo
idêntico, estas palavras em Deuteronômio, anexadas ao quarto mandamento, devem
ser interpretadas [como expressão] da mesma redenção do evangelho.
O Sabbath judaico era guardado no dia que os filhos de Israel saíram
do mar Vermelho. Deuteronômio 5:15
diz que este santo repouso do Sabbath
foi designado em comemoração à saída do Egito. Mas o dia em que atravessaram o
mar Vermelho foi o mesmo de sua saída; pois, até então, ainda estavam na terra
do Egito. O mar Vermelho era a fronteira da nação egípcia. A própria Escritura
nos diz que o dia em que cantaram o cântico de Moisés foi o dia de sua saída do
Egito: “e ali cantará, como nos dias da sua mocidade e como no dia em que
subiu da terra do Egito. [ARC]” referindo-se claramente àquele
triunfante cântico que Moisés e os filhos de Israel cantaram quando saíram do
mar Vermelho.
As Escrituras nos dizem que
Deus designou o Sabbath judaico em
comemoração à libertação dos filhos de Israel de seus opressores, os egípcios,
e de seu descanso da dura servidão e escravidão sob eles: “para que o teu
servo e a tua serva descansem como tu; porque te lembrarás que foste servo na
terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão poderosa e braço
estendido; pelo que o SENHOR, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de
sábado.” Mas o dia em que ocorreu esta libertação dos filhos de Israel de
seus opressores, foi o dia em que eles saíram do mar Vermelho. Até então, não
tinham descansado. Pois, embora tenham saído em sua jornada para fora do Egito,
foram perseguidos pelos egípcios, e ficaram muito perplexos e aflitos. Mas, na
manhã em que saíram do mar Vermelho, obtiveram final e completa libertação;
tiveram, então, pleno descanso de seus opressores. Então, Deus lhes disse o que
está em Êxodo 14:13. Naquele momento
desfrutaram um alegre dia de descanso, um dia de refrigério. E cantaram o
cântico de Moisés, e aquele dia foi o seu Sabbath
de descanso.
Porém, esta saída dos filhos
de Israel do mar Vermelho era apenas um tipo da ressurreição de Cristo. Esse
povo era o Seu corpo místico, e o próprio Moisés era um grande tipo de Cristo;
e, além disso, naquele dia, Cristo foi diante dos filhos de Israel em uma coluna
de nuvem e fogo, como seu Salvador e Redentor. Naquela manhã, Cristo, nesta
coluna de nuvem e fogo, surgiu do mar Vermelho, como se de grandes águas; que
era um tipo do surgimento de Cristo de um estado de morte, e daquela grande
humilhação que sofreu na morte.
A ressurreição de Cristo dos
mortos, nas Escrituras, é representada por ele saindo de muitas águas. Assim, é
com respeito à ressurreição o que foi representado pela saída de Jonas do mar (Mt 12:40). Também é comparada à
libertação de águas profundas (Sl
69:1-3, 14, 15). Estas coisas são faladas de Cristo, como é evidente pelas
muitas passagens nos salmos que são, no Novo Testamento, aplicadas a Cristo. Portanto, como o Sabbath judaico foi
apontado no dia em que a coluna de nuvem e fogo surgiu do mar Vermelho, que é
um tipo da ressurreição de Cristo; é uma grande confirmação de que o Sabbath cristão deve ser guardado no dia
da ressurreição do corpo real de Cristo do túmulo, que é o antítipo. Pois
certamente as Escrituras nos ensinaram que o tipo deve dar lugar ao antítipo, e
a sombra, à substância.
8. O mesmo eu argumento a
partir de Salmo 118:22-24. Nessa
passagem, aprendemos que o dia da ressurreição de Cristo deve ser celebrado com
santa alegria pela Igreja. “A pedra que os construtores rejeitaram, essa
veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do SENHOR e é maravilhoso
aos nossos olhos. Este é o dia que o SENHOR fez; regozijemo-nos e alegremo-nos
nele.” A dita pedra é Cristo; ele foi rejeitado e recusado pelos
construtores, especialmente quando foi condenado à morte. Esse [ato de]
torná-lo a pedra angular, que procede do Senhor, e é tão maravilhoso aos nossos
olhos, é a exaltação de Cristo, que começou com a sua ressurreição. Enquanto
Ele jaz no tumulo, jaz como uma pedra rejeitada pelos construtores. Mas quando
Deus o ressuscita dos mortos, então se torna a pedra angular. É evidente que
essa é a interpretação do apóstolo [Pedro] em At 4:10, 11: “tomai conhecimento, vós todos e todo o povo de
Israel, de que, em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, a quem vós crucificastes,
e a quem Deus ressuscitou dentre os mortos...Este Jesus é pedra rejeitada por
vós, os construtores, a qual se tornou a pedra angular.” E o dia em que
isto aconteceu, o salmo nos ensina, Deus tornou um dia de júbilo para a Igreja.
9. A abolição do Sabbath judaico é sugerida pelo
seguinte: que Cristo, o Senhor do sábado, permaneceu sepultado neste dia.
Cristo, o autor do mundo, era o autor da obra da criação da qual o sábado
judaico era memorial. Foi ele que trabalhou seis dias e descansou no sétimo de
todas as suas obras, e foi revigorado. Contudo, neste dia, estava preso nas
cadeias da morte. Deus, que criou o mundo, agora em sua segunda obra de
criação, não seguiu seu próprio exemplo, se assim posso falar, pois permaneceu
aprisionado no sepulcro nesse dia, e tomou outro para descansar.
O Sabbath era um dia de alegria; pois era guardado em comemoração às
graciosas e gloriosas obras divinas da criação e redenção do Egito. Portanto,
somos orientados a chamar o Sabbath
de deleitoso. Mas, para a Igreja, a noiva de Cristo, não é apropriado
regozijar-se quando o noivo permanece no túmulo, como Cristo diz em Mt 9:15: “Respondeu-lhes Jesus:
Podem, acaso, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo
está com eles? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo, e nesses
dias hão de jejuar.” Enquanto Cristo estava preso pelas cadeias da morte, o
noivo estava ausente da Igreja; era, portanto tempo apropriado para ela chorar
e não se alegrar. Mas quando Cristo ressurge, então é dia de alegria, porque
somos gerados de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus
Cristo dentre os mortos.
10. É evidente que Cristo, de
propósito, honrou peculiarmente o primeiro dia da semana, o dia em que
ressuscitou dos mortos, ao aparecer nele, de tempos em tempos, aos apóstolos. E
escolheu este dia para derramar o Espírito Santo sobre eles, como lemos no
segundo capítulo de Atos. Pois isto ocorreu no Pentecostes, que se dava no
primeiro dia da semana, como vemos em Lv
23:15, 16. E honrou este dia ao derramar seu Espírito sobre o apóstolo
João, ao lhe conceder visões. Ap 1:10:
“Achei-me em espírito, no dia do Senhor”, etc. ora, sem dúvidas, com
isso Cristo queria distintamente honrar este dia.
11. É evidente pelo Novo
Testamento que este era, pela direção dos apóstolos, o dia especial do culto
público da igreja primitiva. Lemos que este era o dia costumeiro em que se
reuniam para partir o pão, e isto, é evidente, com a aprovação dos apóstolos,
uma vez que pregavam neste dia. Portanto, sem dúvidas se reuniam por orientação
apostólica. At 20:7: “No primeiro
dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia
seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à
meia-noite.” Da mesma maneira, o Espírito Santo foi cuidadoso para que as
contribuições fossem feitas neste dia, em todas as igrejas, ao invés de em
outro qualquer, como vimos no nosso texto.
12. Este primeiro dia da
semana é chamado no Novo Testamento de dia do Senhor (Ap 1:10). Alguns dizem: “Como sabemos que este era o primeiro dia
da semana? Todo dia é dia do Senhor.” Mas era o intento de João informar quando ele
teve essas visões. E se, por dia do Senhor, pretende um dia qualquer, como nos
informaria quando ocorreram os eventos?
Mas o que se quer dizer por
esta expressão nós sabemos, da mesma forma que sabemos o sentido de qualquer
outra palavra na [língua] original do Novo Testamento, ou de qualquer outra
língua antiga, isto é, encontrando o significado universal da expressão nos tempos
antigos. Esta expressão, o dia do Senhor, é encontrada no uso
antigo de toda a Igreja cristã, aparecendo em todos os escritos nos tempos
antigos, e mesmo nos dias apostólicos, referindo-se ao primeiro dia da semana.
E a expressão implica em si a
santidade do dia. Pois, sem dúvidas, ele é chamado de dia do Senhor, assim como
a santa ceia é chamada de ceia do Senhor, sendo assim chamada porque é ceia
santa, a ser celebrada em memória de Cristo, o Senhor, e de sua redenção.
Portanto este é um dia santo, a ser guardado em memória do Senhor Jesus, e de
sua redenção.
O primeiro dia da semana,
sendo nas Escrituras chamado de dia do Senhor, o torna suficientemente apto a
ser o dia da semana a ser guardado santo para Deus; pois Ele agradou-se em
chamá-lo por seu próprio nome. Quando algo é chamado pelo nome de Deus nas
Escrituras, isto implica que Deus apropriou-se dele para si. Assim, Deus
colocou seu nome sobre a antiga nação de Israel. Nm 6:27: “Assim, porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e
eu os abençoarei.” Eram chamados pelo nome de Deus, como é dito em 2 Cr 7:14: “se o meu povo, que se
chama pelo meu nome...” etc., isto é, eram chamados de povo de Deus, ou
povo do Senhor. Isto implicava que era um povo santo, peculiar acima de todos
os outros. Dt. 7:6: “Porque tu és
povo santo ao SENHOR, teu Deus; o SENHOR, teu Deus, te escolheu, para que lhe
fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra.” E da
mesma forma no v. 14 e em muitas
outras passagens.
Assim também a cidade de
Jerusalém era chamada pelo nome de Deus, Jr
25:29: “Pois eis que na cidade que se chama pelo meu nome...” Dn 9:18, 19: “e para a cidade que é
chamada pelo teu nome...” etc. Isto implicava que era cidade sagrada,
escolhida por Deus acima de todas as outras para santos propósitos, como é
frequentemente chamada de cidade santa, como em Ne 11:1: “Para que habitasse na santa cidade de Jerusalém...”
e em muitas outras passagens.
Da mesma maneira, é dito que
templo seja uma casa chamada pelo nome de Deus, 1 Re 8:43: “e para saberem que esta casa, que eu edifiquei, é
chamada pelo teu nome.” E, frequentemente, [ocorre o mesmo] em outras
passagens. Ou seja, era chamado de casa de Deus, ou casa do Senhor. Isto
implica que era um lugar santo, casa devotada a santos propósitos, acima de
todas as outras.
Assim encontramos que o
primeiro dia da semana é chamado pelo nome de Deus, sendo chamado na Escritura
de dia de Deus, ou dia do Senhor, o que implica que seja um dia santo,
apropriado para propósitos santos, acima de todos os outros da semana.
13. A tradição da Igreja em
todas as épocas, embora não seja a regra, pode, contudo, servir de grande
confirmação à verdade em casos semelhantes a este. Encontramos, em todos os
relatos, que têm sido o costume universal da Igreja cristã, em todas as épocas,
até mesmo na dos apóstolos, guardar o primeiro dia da semana. Lemos nos
escritos que restam do primeiro, segundo e terceiro séculos, de cristãos que
guardavam o dia do Senhor, e da mesma forma nas épocas subsequentes, e não há
relato que os contradiga. Este dia tem sido guardado pelos cristãos, em todos
os países do mundo, e por quase todos que se denominam cristãos, de todas as
denominações, conquanto tenham opiniões conflitantes sobre outras matérias.
Ora, embora isto não seja
suficiente em si sem um fundamento escriturístico, contudo, pode servir como
confirmação, pois aqui se encontra matéria que nos convence de que somos
razoáveis [em guardar este dia]. A razão pode confirmar grandemente verdades
reveladas nas Escrituras. A universalidade do costume em todos os países
cristãos, em todos os tempos, em todos os relatos que temos, é um bom argumento
de que a Igreja o recebeu dos apóstolos; e é difícil conceber como todos viriam
a concordar no estabelecimento de tal costume por todo mundo, nas diferentes
seitas e opiniões, e nem temos nenhum relato [de que isto tenha acontecido].
14. De maneira alguma
enfraquece este argumento o fato de que não há nada dito mais claramente sobre
isto no Novo Testamento, até que João escrevesse o Apocalipse, pois há razão
suficiente para que isto tenha ocorrido. Com toda probabilidade, [esta questão]
foi intencionalmente evitada pelo Espírito Santo, nos primórdios do
estabelecimento das igrejas cristãs no mundo, tanto entre os pagãos quanto
entre os judeus, mas em especial por causa dos judeus, e por consideração aos
que dentre eles eram cristãos. Pois é evidente que Cristo e os apóstolos lhes
declararam gradualmente as coisas, na medida em que podiam suportá-las.
Os judeus respeitavam seu
sábado acima de qualquer coisa na lei de Moisés; e havia aquilo que no Antigo
Testamento os incitava a mantê-los na sua observância, mais fortemente que
qualquer coisa que fosse judaica. Deus o havia enfatizado tanto, e tão solene,
frequente e cuidadosamente o ordenado, e com frequência punido tão severamente
os que o quebravam, que lhes era mais destacado reter este costume que outro
qualquer.
Portanto, Deus lhes teve
muita afeição neste ponto. Outras coisas desta natureza encontramos reveladas
gradualmente. Cristo tinha muitas coisas para dizer, como somos informados, as
quais, contudo, não disse, porque ainda não podiam suportá-las, dizendo-lhes
que era como colocar vinho novo em odres velhos. Eram tão contrárias aos seus
velhos costumes que Cristo foi gradual em revelar-lhes. Deu-lhes um pouco aqui
e outro ali, na medida em que podiam suportar; e demorou muito antes que lhes
dissesse claramente as principais doutrinas do reino dos céus. Ele usou das
oportunidades mais favoráveis para lhes contar dos seus sofrimentos e morte, especialmente
quando estavam cheios de admiração por algum sinal miraculoso, que confirmavam
ser ele o Messias.
Falou-lhes muitas coisas mais
claramente após sua ressurreição. Mas, até mesmo nesse momento, não lhes disse
tudo, mas deixou mais para ser revelado pelo Santo Espírito no Pentecostes.
Portanto, foram muito mais iluminados depois disto do que anteriormente.
Contudo, ainda aí não revelou tudo. A abolição da lei cerimonial acerca de
comida e bebida não foi plenamente conhecida senão em eventos posteriores.
Da mesma forma, os apóstolos
foram cuidadosos e afetuosos para com aqueles a quem pregavam e escreviam. Foi
aos poucos que se aventuraram em ensinar-lhes sobre a cessação das leis
cerimoniais da circuncisão e da abstinência de carnes impuras. Como é terno o
apóstolo Paulo com os escrupulosos, no capítulo catorze de Romanos! Ele orienta
os que têm conhecimento a guardarem a si mesmos, por causa dos seus irmãos mais
fracos (Rm 14:22). Mas nada mais é
preciso dizer como prova disto.
Contudo, digo isto: é bem
possível que, no primeiro momento, aos próprios apóstolos não tenha sido
revelado plenamente acerca desta mudança do dia do Sabbath. O Espírito Santo, na sua descida, lhes revelou muita
coisa, contudo, após isso, ainda eram ignorantes de muito da doutrina do
evangelho. Sim, assim permaneceram por muito tempo depois que definiram a
tarefa apostólica de batizar, pregar e governar a Igreja. Pedro ficou surpreso
quando foi ordenado a comer carnes legalmente impuras; e da mesma forma os
apóstolos em geral, quando Pedro foi ordenado a ir pregar aos gentios.
Assim, Cristo foi suave com a
Igreja enquanto esta estava na infância. Não a alimentou com carne tenra, mas
foi cuidadoso em trazê-la à observância do dia do Senhor paulatinamente, e,
portanto, usou de todas as ocasiões para honrá-lo, aparecendo de tempos em
tempos nesse dia; enviando seu Espírito naquele dia de forma notável, no
Pentecostes; ordenando aos cristãos que se encontrassem a fim de partir o pão
nesse dia, e que separassem suas contribuições e outros deveres do culto para
esse dia. Assim introduziu a observância dele gradualmente. E, embora o
Espírito Santo não tenha falado claramente acerca dele, contudo Deus teve
especial atenção que fossem achadas evidências suficientes de sua vontade, pela
Igreja cristã, quando estivesse mais estabelecida e alicerçada, e chegasse na
idade e força da maturidade.
Assim, deixo para que cada um
julgue se não há suficiente evidência de que seja o intento e vontade de Deus
que o primeiro dia da semana seja guardado pela Igreja cristã como um Sabbath.
Nenhum comentário:
Postar um comentário