domingo, 31 de março de 2013

ATEÍSMO PRÁTICO (1 de 2)



Salmo 14:1
Diz o insensato no seu coração: Não há Deus.”
Aquele que tem infinita sabedoria, que está assentado no céu e de lá contempla perfeitamente todas as coisas como elas são e sabe melhor do que qualquer outro o que é a sabedoria e o que é a tolice, Ele mesmo, em sua Santa Palavra, acusou os ímpios de serem os maiores loucos. Desse modo, nós os encontramos nela sendo chamados de tolos, como se assim o fossem da maneira mais notória. Semelhantemente, a sabedoria é usada comumente para [expressar] a santidade nas Escrituras, como se fossem palavras sinônimas ou tivessem o mesmo e exato significado.
Os ímpios são chamados de insensatos neste versículo:
1. Como uma alcunha geral que lhes pertencia, como são denominados alhures (Salmo 107:17): “Os loucos, por causa do seu caminho de transgressão e por causa das suas iniquidades, são afligidos”, em Provérbios 13:19: “O desejo que se cumpre deleita a alma, mas apartar-se do mal é abominação para os loucos”, e Provérbios 13:20: “Anda com os sábios e serás sábio, mas o companheiro dos tolos será afligido”. Assim ocorre em muitos outros lugares.
2. Com um olhar especial para uma parte de sua loucura aqui mencionada, isto é, o que dizem em seus corações: “Não há Deus”. Isso é influenciado principalmente pela forte estupidez e insensatez de suas mentes.
Alguns supõem que a expressão: “Diz no seu coração, não há Deus”, refere-se principalmente à inclinação deles. Mas por “coração”, nas Escrituras, frequentemente se tem em vista toda a alma, com todas as suas faculdades. Assim lemos sobre ponderar as coisas no coração, pelo que deve ser entendido especialmente o ato do entendimento. E parece que se tem em mente aqui toda a alma. Assim como o pecado tem domínio sobre toda a alma, do mesmo modo o ateísmo é o que contamina todas as suas faculdades.
DOUTRINA
Um princípio de ateísmo possui os corações de todos os ímpios.
Por ateísmo comumente se denomina a descrença ou negação da existência de Deus, como se não envolvesse nada além de um ato do entendimento. Mas gostaria que a palavra “ateísmo”, na doutrina, fosse entendida em um sentido um pouco mais amplo, como qualquer tipo de rejeição, renúncia ou oposição à existência divina ou do Ser de Deus, com qualquer uma de suas faculdades. Sentido esse que supomos ser paralelo à expressão no texto “diz o insensato no coração, não há Deus”. Por conseguinte, vamos mostrar que:
I. Há uma inclinação ateísta.
II. Há um princípio de ateísmo especulativo ou ateísmo de julgamento em cada ímpio.
III. Eles têm uma disposição para negar a Deus na prática ou a viver como se Deus não existisse.
I. Há uma inclinação ateísta que domina o coração de cada ímpio, ou seja, eles têm inclinação e natureza tal que lhes seria conveniente se Deus não existisse. Não têm nada em si que os incite a pensar que deve haver um Deus, mas ficariam felizes se não houvesse nenhum. Ficariam grandemente satisfeitos e alegres se pudessem ser assegurados de que não há Deus.
Há tal espírito de inimizade em seus corações contra Deus que tudo o que existe nEle lhes é desagradável. Suas naturezas são inteiramente contrárias à dEle. Em primeiro lugar, odeiam a Sua santidade. Logo, odeiam todos os outros atributos, pois Sua santidade, por assim dizer, influencia e aciona todos os Seus outros atributos, como o poder, a sabedoria e a misericórdia.
Percebem facilmente que não é do [seu] interesse, como pecadores, que haja um Deus. Pois, se houver um, são sensíveis de que Ele é seu inimigo, a menos que entretenham opinião errada de si mesmos e achem que sejam amigos de Deus.
Percebem que essa crença na existência de Deus seria algo muito incômodo para suas mais fortes inclinações e apetites. Iria perturbá-los e trazer-lhes muita inquietação na busca de seus prazeres pensarem que existe um Ser Todo-poderoso, que tem todas as coisas em Suas mãos, que odeia perfeitamente o pecado e que tomará vingança contra ele; um Deus que os contempla continuamente e vê seus corações e todas as suas ações secretas. Não têm nenhuma vontade de que as coisas sejam assim. Desejam de coração que pudessem ter a certeza de que elas são de outra forma, de que não há Ser supremo para tomar conhecimento de suas condutas e chamá-los para prestar contas. Têm disposição suficiente para destronar Deus ou matá-lo, se isso estivesse em seu poder.
II. Um princípio de ateísmo especulativo ou ateísmo de julgamento possui os corações de todos os ímpios. A cegueira natural dos filhos dos homens se estende até ao ponto de obscurecer seus entendimentos com relação à própria existência de Deus.
Os julgamentos dos homens são naturalmente depravados. O princípio da descrença que está no coração estende-se a tudo o que seja divino, a toda a religião. Não apenas são incrédulos com relação à suficiência da justiça de Cristo para satisfazer os seus pecados e recomendá-los a Deus, e com relação àquelas doutrinas divinas do evangelho sobre a encarnação e mediação de Cristo - doutrinas essas que estão muito acima da luz da natureza - mas têm em seus corações um princípio de descrença do primeiro princípio da religião natural.
Aqui, vamos observar as maneiras em que esse princípio ateísta se expressa. Mas vou primeiro observar que conquanto haja esse princípio de ateísmo em todos os ímpios é, contudo, muito questionável se já houve algum homem que foi capaz de se certificar de que não há Deus.
Houve muitos que, achando que a crença na existência de Deus não iria ser adequada às suas atividades pecaminosas ou ajustar-se com os seus prazeres carnais, trabalharam para livrar-se desse estorvo, e para libertar-se inteiramente do jugo da religião, e para aliviar-se de todas as restrições e apreensões de um Juiz Supremo que os chamasse a prestar contas. Mas é muito questionável se algum deles até agora obteve sucesso ao objetar ardilosamente com o fim de se verem livres de todo o senso da existência de Deus, bem como dos temores, zelos e terríveis apreensões de Seu Ser.
Ainda que as mentes de alguns sejam perversas e depravadas, estando cegas e enganadas por seus preconceitos pecaminosos e obstinadas pelo orgulho, contudo o estudo e o raciocínio não são os caminhos que fazem dos homens perfeitos ateus, apesar de este ser seu objetivo ao se entregar a essa tarefa, o de aliviar suas próprias mentes do fardo das preocupações a respeito de Deus.
Mas o caminho mais provável para trazer os homens ao ateísmo, ou chegar o mais próximo possível dele, é o de não considerar absolutamente nada: exercitar a razão o mínimo possível, e se apressar em tornar todos os sentidos semelhantes aos das feras tanto quanto esteja em seu alcance. É ser tão insensível como os animais selvagens e estupidificar as mentes e obscurecer o entendimento com concupiscências bestiais o mais rápido possível. Esse é o caminho mais imediato para se chegar ao ateísmo ou aperfeiçoar-se nele.
Mas se os homens se puserem a estudar, ainda que seja com o propósito de criticar e objetar, não podem, por esse caminho, tornar-se cegos, uma vez que as evidências da existência de Deus hão de ser reveladas. As descobertas nesse sentido são tão numerosas e óbvias que é difícil para um homem desviar o olhar delas ou cegar-se a si mesmo para que não as veja. E as evidências são tão diretas que é difícil raciocinar tão pouco ou tão errado a ponto de não ver a dependência que a conclusão tem das premissas.
Apesar de haver um princípio de ateísmo no coração de todos os ímpios, há também uma faculdade natural da razão, e aquele nunca pode prevalecer contra esta a ponto de impedir seu exercício ou apagar completamente a luz da natureza neste particular. Deus mostrou a todo homem a sua própria existência pela luz da natureza: “Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas.” (Rm 1:19-20). Assim, os pagãos detêm a verdade pela injustiça: “A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça.” (Rm 1:18)
Essa consciência natural que existe em cada homem o fará pelo menos suspeitar de [que há] um Juiz supremo, pois ela diz a cada homem, quando comete impiedade, que ele merece uma punição, e manifesta-lhe que é muito adequado e apropriado que haja um Governador supremo do mundo e Juiz dos homens para atribuir a cada um segundo as suas obras. Essa é, portanto, a expectativa natural dos homens. Desse modo, tem sido observado a partir de alguns dos mais renomados ateus e daqueles que professaram o ateísmo que eles têm, por vezes, grandemente se aterrorizado com apreensões do Ser e da vingança de Deus, especialmente nos seus leitos de morte.
Mas esse ateísmo, que está nos corações dos ímpios, aparece e se expressa de algumas maneiras:
Primeiro, as mentes dos ímpios não são suscetíveis a uma certa convicção e apreensão da realidade do ser de Deus. Eles podem ceder aos argumentos que ouvem e dar o seu consentimento para a coisa, como sendo argumentos para os quais não têm resposta, mas, depois de tudo, não se convencem completamente por eles. Não lhes parece algo real. Não lhes impressionam da mesma forma que as outras coisas reais o fazem, mas sim como se fossem fábulas. As coisas que viram com seus olhos e apreenderam com os seus sentidos corporais causam outro tipo de impressão em suas mentes.
Os ímpios não percebem plenamente que há um Ser eterno e Todo-poderoso, em quem “vivem, se movem e existem” [Atos 17:28] e que os vê e conhece todas as suas ações. É algo que, talvez, foram ensinados desde a infância, e que ouviram muitos argumentos a favor, aos quais não podem responder, e estão até dispostos a ceder. Mas uma coisa é fazer isso e, outra, ter um senso da realidade e ser convencido dela.
Segundo, os ímpios têm um princípio em si que os torna muito propensos a questionar o ser de Deus. Estão prontos para ouvir objeções e imaginar que há muito valor nelas. Uma pequena objeção os prenderá muito mais rápido do que argumentos contrários de força muito maior.
Estão prontos para dizer a si mesmos, muitas vezes: “Como saberei se há algo como um Deus? Pode ser que Ele não exista. Pode ser que as Escrituras e as doutrinas acerca de um Criador e Juiz e de um estado futuro sejam apenas uma invenção dos homens. Como eu saberei se, quando morrer, não voltarei ao nada, se não haverá um fim para mim como o dos animais? Os que se foram antes não voltam e nos dizem se descobriram a verdade. Pode ser que tudo isto seja mera opinião.”
E há um princípio e natureza que os torna muito suscetíveis de cair em tais suposições. A natureza corrupta do homem é tal que essas conjecturas lhes são muito agradáveis. O homem é propenso à infidelidade e a se apegar em argumentos favoráveis a ela.

Embora, às vezes, pareçam estar convencidos e silenciados, uma vez que esses argumentos saem um pouco da mente, então retorna aquele [pensamento] novamente: “Como saberei se o mundo não estará, todo este tempo, enganado a respeito da existência de Deus e Ele não existe?” Enquanto isso, há muitas pessoas no mundo que gostam de objeções capciosas, e houve alguns que abertamente negaram e renunciaram o Ser de Deus, e outros que, não tendo ido tão longe, negaram a Sua Providência: negaram que Deus tenha algo a ver com o governo do mundo, ou que se preocupa com os assuntos da humanidade, o que é muito equivalente a negação da existência de Deus em si.