“Mas ira e indignação aos facciosos, que desobedecem à verdade e
obedecem à injustiça. Tribulação e angústia virão sobre a alma de qualquer
homem que faz o mal, ao judeu primeiro e também ao grego.” (Romanos 2:8, 9)
É a intenção do apóstolo
Paulo, nos três primeiros capítulos desta epístola, mostrar que tanto judeus
quanto gentios estão debaixo do pecado e que, portanto, não podem ser
justificados por obras da lei, mas apenas pela fé em Cristo. No primeiro
capítulo, ele mostrou que os gentios estavam debaixo do pecado. Neste, mostra
que os judeus também estão, e que, conquanto fossem severos nas suas censuras
aos gentios, faziam as mesmas coisas que condenavam, pelo que o apóstolo os
acusa: “Portanto, és indesculpável, ó homem, quando julgas, quem quer que
sejas; porque, no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as
próprias coisas que condenas.” E os adverte que não sigam por este caminho,
prevenindo-os da miséria a que ficariam expostos, e dando-lhes a entender que,
ao invés de sua miséria ser menor que a dos gentios, seria maior, pelo fato de
Deus ter sido mais benevolente para com eles do que para com os gentios. Os
judeus achavam que estavam livres da ira vindoura, porque Deus os escolhera
para ser Seu povo peculiar. Mas o apóstolo os informa que haveria indignação e
ira, tribulação e angústia, para a alma de todo homem, não apenas dos gentios,
mas para toda alma, e para o do judeu primeiramente e em especial, quando
faziam o mal, pois seus pecados tinham mais agravantes.
Na passagem lida,
encontramos:
1. Uma descrição dos ímpios,
na qual podem ser observadas aquelas suas características que têm a natureza de
uma causa, e as que têm a natureza de um efeito.
Aquelas características dos
ímpios aqui mencionadas que têm a natureza de uma causa são o fato de
serem facciosos, e não obedecerem à verdade, mas obedecerem
à injustiça. Ser faccioso significa ser avesso à verdade, disputar com o
evangelho, achar defeitos nas suas declarações e ofertas. Os incrédulos
encontram muitas coisas nos caminhos de Deus em que tropeçam, e pelas quais se
ofendem. Sempre estão disputando e achando defeitos em uma coisa ou outra. Com
isso são impedidos de crer na verdade e render-se a ela. Cristo é para eles uma
pedra de tropeço, uma rocha de ofensa. Não obedecem à verdade, ou seja, não se
rendem a ela, não a recebem com fé. Esse render-se à verdade e abraçá-la, que
se encontra na fé salvífica, é chamado de obedecer, na
Escritura. Rm 6:17: “Mas graças a
Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, viestes a obedecer de
coração à forma de doutrina a que fostes entregues.” Hb 5:9: “E, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da
salvação eterna para todos os que lhe obedecem.”
Mas os ímpios obedecem à
injustiça, ao invés de se render ao evangelho. Estão sob o poder e domínio do
pecado, e são escravos de suas luxúrias e corrupções.
São nestas características
dos ímpios que está a essência de sua impiedade. Sua descrença e oposição à
verdade e sua submissão servil aos desejos pecaminosos são o fundamento de toda
impiedade.
Aquelas características dos ímpios
que têm a natureza de um efeito são o fazer o mal. Esta é a sua menor oposição
contra o evangelho, e é por serem servilmente submissos a seus desejos carnais
que fazem o mal. Aqueles princípios ímpios são o fundamento, e a prática ímpia
é a estrutura. Aqueles são a raiz, esta, o fruto.
2. Encontramos também a punição dos
ímpios, na qual podem ser também notados a causa e o efeito.
As coisas mencionadas em sua
punição que têm a natureza de uma causa são indignação e ira;
ou seja, a indignação e ira de Deus. É o furor de Deus que tornará os homens
miseráveis. Serão os objetos da ira divina, e daí surgirá toda sua total
punição.
As coisas em sua punição que
têm a natureza de um efeito são tribulação e angústia.
A indignação e ira de Deus se converterão em extrema dor, aflição e angústia de
coração neles.
Doutrina
Indignação, ira, miséria e angústia de alma são a porção que Deus
reservou aos ímpios.
Todo ser humano terá a porção
que lhe pertence. Deus reserva a cada um a sua porção. A porção do ímpio nada
mais é senão ira, aflição e angústia de alma. Embora possam gozar alguns
prazeres e deleites vazios e inúteis, por alguns dias, enquanto permanecem
neste mundo, contudo, o que lhes está reservado pelo Senhor e Governador de
todas as coisas, como sua porção, é apenas indignação e ira, tribulação e
angústia.
Essa não é a porção que os
ímpios escolhem. O que escolhem é a felicidade mundana. Contudo, essa é a
porção que Deus lhes concede. É a porção que, para todos os efeitos, eles
escolhem para si, pois escolhem aquelas coisas que natural e necessariamente
conduzem a esta porção, e aquelas que são claramente ditas, incontáveis vezes,
que levam a ela. Pv 8:36: “Mas o
que peca contra mim violenta a própria alma. Todos os que me aborrecem amam a
morte.” Mas, quer a escolham ou não, esta será a porção por toda a
eternidade daqueles que vivem e morrem como ímpios. Indignação e ira os
perseguirão enquanto viverem neste mundo, daqui os arrebatarão, e os seguirão
para o próximo mundo. E lá, ira e miséria permanecerão sobre eles por toda a
eternidade.
O método que usarei para
tratar deste assunto é descrever a ira e a miséria das quais os ímpios serão os
objetos, tanto aqui quanto na eternidade, em suas partes e períodos sucessivos,
de acordo com a ordem do tempo.
I.
Descreverei a ira que frequentemente acompanha os ímpios nesta vida. Indignação
e ira, com frequência, os alcançam ainda aqui.
1.
Deus, com frequência, na sua ira, os entrega a si mesmos. São entregues aos
seus pecados, e abandonados para que destruam a si mesmos, e trabalhem em sua
própria ruína; Ele os abandona no pecado. Os
4:17: “Efraim está entregue aos ídolos; é deixá-lo.” Deus, com
frequência, permite que caminhem grandes distâncias no pecado, e não lhes
concede a graça refreadora que dá a outros. Ele os entrega a sua própria
cegueira, de maneira que permanecem ignorantes de Deus e de Cristo, e das
coisas que pertencem à sua paz [Lc 19:42].
Eles são, às vezes, entregues à dureza de coração, e se tornam estúpidos e
insensíveis, de tal maneira que nada, jamais, os despertará completamente. São
entregues à própria cobiça dos corações, para insistirem em certas práticas
ímpias, todos os seus dias. Alguns são entregues à avareza, outros à bebedeira,
alguns à impureza, outros ao orgulho, disputas e espírito invejoso, e alguns a
uma disposição acusadora e antagonista para com Deus. Ele os entrega à sua
estultice, para agirem com excessiva tolice, para que adiem os cuidados de suas
almas de tempos em tempos, para nunca acharem que o presente é o melhor tempo,
mas sempre o manterem a distância, e tolamente se gabarem com esperanças de uma
vida longa, e adiarem o dia mau, e se bendizerem no coração, dizendo: “Terei
paz, ainda que ande na perversidade do meu coração, para acrescentar à sede a
bebedice.” Alguns são deixados em tal estado que se tornam miseravelmente
endurecidos e insensíveis, enquanto outros ao seu redor são despertados e,
muito preocupados, perguntam-se o que devem fazer para ser salvos.
Às vezes, Deus entrega os
homens a uma fatal apostasia devido ao mau aproveitamento dos esforços do Seu
Espírito. São abandonados para a apostasia eterna. Terrível é a vida e a
condição dos que são assim deixados sem Deus. Temos exemplos da miséria dos
tais na santa Palavra de Deus, particularmente de Saul e Judas. Estes são, às
vezes, entregues ao poder de Satanás para que os tente, e os conduza a práticas
ímpias, agravando bastante sua própria culpa e miséria.
2. Indignação e ira são, às
vezes, exercidas contra eles neste mundo, sendo amaldiçoados em todas as suas
ocupações. Esta maldição de Deus os segue em tudo. São amaldiçoados nos seus
prazeres. Se têm prosperidade, ela lhes é amaldiçoada; se possuem riquezas, se
têm honra, se desfrutam prazeres, lá está a maldição de Deus presente. Sl 92:7: “Ainda que os ímpios brotam
como a erva, e florescem todos os que praticam a iniquidade, nada obstante,
serão destruídos para sempre.”
Há uma maldição de Deus que
acompanha sua alimentação diária: cada pedaço de pão que comem, cada gota de
água que bebem. Sl 69:22: “Sua
mesa torne-se-lhes diante deles em laço, e a prosperidade, em armadilha.”
São amaldiçoados em todas suas ocupações, em qualquer coisa em que põem a mão;
quando vão ao campo trabalhar, ou quando trabalham nos seus respectivos
negócios. Dt 28:16: “Maldito
serás tu na cidade e maldito serás no campo.” A maldição de Deus permanece
na casa em que habitam, e o enxofre está espalhado nas suas habitações [Jó 18:15]. A maldição de Deus está
presente nas suas aflições, enquanto que as aflições dos justos são correções
paternais, e vêm pela misericórdia. As aflições que os ímpios enfrentam são
devidas à ira, e vêm de Deus como um inimigo, e são o prenúncio de sua punição
eterna. A maldição de Deus também os acompanha nos seus aproveitamentos e
oportunidades espirituais, e lhes seria melhor não haver nascido em uma terra
onde há a luz [do evangelho]. O fato de terem a Bíblia e o Dia do Senhor apenas
agrava sua culpa e miséria. A palavra de Deus quando lhes é pregada é cheiro de
morte para a morte. Melhor lhes seria se Cristo jamais houvesse vindo ao mundo,
se jamais houvesse oferta de um Salvador. A própria vida lhes é uma maldição;
pois vivem apenas para encher a medida dos seus pecados. O que buscam em todos
os divertimentos, e empregos, e preocupações da vida, é sua própria felicidade;
mas jamais a obtêm. Jamais obtêm conforto verdadeiro, todos os consolos que têm
são inúteis e não satisfazem. Se vivessem cem anos, com muito do mundo em sua
possessão, suas vidas seriam todas preenchidas com vaidade. Tudo o que possuem
é vaidade de vaidades, não acham descanso verdadeiro paras suas almas, tudo o
que fazem é alimentar o vento oriental [Os
12:1] e não têm real contentamento. Sejam quais forem os prazeres
exteriores que possam ter, suas almas estão famintas. Não têm paz real de
consciência, não têm nada do favor de Deus. O que quer que façam, vivem em vão,
e futilmente. São inúteis na criação de Deus, pois não respondem ao fim para o
qual foram criados. Vivem sem Deus, não têm a Sua presença, e nenhuma comunhão
com Ele. Pelo contrário, tudo o que têm, e tudo o que fazem, não têm outro fim
senão o de contribuir para sua própria miséria, e tornar seu estado eterno e
futuro mais terrível. Os melhores dos ímpios vivem vidas miseráveis e
mesquinhas, mesmo com toda a sua prosperidade; suas vidas são muito
indesejadas, e, o que quer que tenham, a ira de Deus permanece sobre eles.
3. Depois de um tempo devem
morrer. Ec 9:3: “Este é o mal que
há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o mesmo; também o
coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto vivem;
depois, rumo aos mortos.”
A morte que recai sobre os
ímpios é bem diferente da que recai sobre os justos; para os ímpios é uma
execução da maldição da lei, e da ira de Deus. Quando um ímpio morre, Deus o
extirpa em ira, ele é levado por uma tempestade de ira, e é impelido em sua
impiedade. Pv 14:32: “Pela sua
malícia é derribado o perverso, mas o justo, ainda morrendo, tem esperança.”
Jó 18:18: “Da luz o lançarão nas
trevas e o afugentarão do mundo.” Jó
27:21: “O vento oriental o leva, e ele se vai; varre-o com ímpeto do seu
lugar.” Embora os ímpios, em vida, possam viver na prosperidade mundana,
contudo, não podem viver aqui sempre, mas devem morrer. O lugar que conhecem
não mais conhecerão; e o olho que os vê não mais os verão na terra dos vivos [Jó 7:8].
Seus limites estão
inalteravelmente estabelecidos, e, quando o atingirem, devem partir, e deixar
todas as boas coisas mundanas. Se viveram na glória exterior, sua glória não os
acompanhará; nada que possuam poderá ser levado. Ec 5:15: “Como saiu do ventre de sua mãe, assim nu voltará,
indo-se como veio; e do seu trabalho nada poderá levar consigo.” Ele deve
deixar todas as suas posses para outros. Se estão tranquilos e quietos, a morte
acabará com essa tranquilidade, roubará seu escárnio carnal, e os desnudará de
toda sua glória. Como vieram nus ao mundo, nus voltarão, e irão como vieram. Se
estocaram muitos bens, por muitos anos, se armazenaram em depósitos, na
esperança de ter conforto e prazer, a morte lhes cortará tudo isso. Lc 12:16: “E lhes proferiu ainda uma
parábola, dizendo: O campo de um homem rico produziu com abundância. E
arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os
meus frutos? E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros,
reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus
bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos;
descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te
pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” Se têm nos
seus peitos muitos desígnios e projetos para promoverem sua prosperidade e
vantagem mundana, quando vem a morte, tudo vai-se embora com um sopro. Sl 144:4: “Sai-lhes o espírito, e
eles tornam ao pó; nesse mesmo dia, perecem todos os seus desígnios.” E
assim, qualquer diligência que tenham tido em buscar sua salvação, a morte a
desapontará, não aguardará que eles cumpram seus projetos e esquemas. Se
afagaram, enfeitaram e adornaram seus corpos, a morte roubará todo seu prazer e
glória; tornará seu semblante pálido e seu aspecto repulsivo. Ao invés das
alegres roupas e dos belos ornamentos, terão apenas uma mortalha; sua casa será
o escuro e silencioso túmulo; e esse corpo que tanto adoravam, se converterá em
podridão repugnante, será comido pelos vermes, e se tornará pó. Alguns ímpios
morrem na juventude, a ira os persegue, e logo os derruba e não lhes é
permitido viver metade dos seus dias. Jó
36:14: “Perdem a vida na sua mocidade e morrem entre os prostitutos
cultuais.” Sl 55:23: “Tu,
porém, ó Deus, os precipitarás à cova profunda; homens sanguinários e
fraudulentos não chegarão à metade dos seus dias.” Eles são, às vezes,
arrebatados em meio ao pecado e à vaidade, e a morte põe fim súbito a todos os
seus prazeres juvenis. São, com frequência, interrompidos no meio de uma
carreira no pecado, e se seu coração já se apegou firmemente a essas coisas,
devem ser separados delas. Não possuem bens, senão os exteriores; mas, então,
deverão eternamente os abandonar, devem para sempre fechar os olhos para tudo o
que lhes foi querido e agradável aqui.
4. Os ímpios são, às vezes,
objetos de muita tribulação e angústia de coração nos seus leitos de morte. Às
vezes, as dores do corpo são muito extremas e terríveis; e o que suportam
nestas agonias e lutas pela vida, quando corpo e alma estão lutando para se
separar, ninguém saberá. Ezequias teve um senso terrível disso. Ele compara a
um leão quebrando todos os seus ossos. Is
38:12, 13: “A minha habitação foi arrancada e removida para longe de
mim, como a tenda de um pastor; tu, como tecelão, me cortarás a vida da
urdidura, do dia para a noite darás cabo de mim. Espero com paciência até
à madrugada, mas ele, como leão, me quebrou todos os ossos; do dia para a noite
darás cabo de mim.” Mas isto é pouco comparado ao que, às vezes, é
suportado pelas almas dos ímpios quando estão no seu leito de morte. A morte
parece, às vezes, ter um aspecto muito horrível para eles, quando ela vem e os
encara na face, não conseguem contemplá-la. É sempre assim quando os ímpios têm
notícias da aproximação da morte, e têm a razão e a consciência em exercício, e
não são estúpidos ou distraídos. Quando essa rainha dos terrores vem e se
revela, e são chamados a encontrá-la, oh, como é terrível seu conflito! Mas é
necessário que a encontrem: Ec 8:8:
“Não há nenhum homem que tenha domínio sobre o vento para o reter; nem
tampouco tem ele poder sobre o dia da morte; nem há tréguas nesta peleja; nem
tampouco a perversidade livrará aquele que a ela se entrega.”
A morte vem a eles com toda
sua terrível armadura, e com seu aguilhão; e é o suficiente para encher suas
almas com um tormento que não pode ser expresso.
É ruim para uma pessoa estar
em uma cama, doente, ser desenganada pelos médicos, com os amigos ao redor
chorando, como se esperassem partir juntos; e em tais circunstâncias não ter
esperança, não ter interesse em Cristo, e ter a culpa dos pecados posta sobre
sua alma; estar saindo do mundo ser ter feito a paz com Deus; permanecer diante
do seu trono de julgamento com todos os seus pecados, sem ter nada para
objetar, ou responder. Ver a única oportunidade para se preparar para a
eternidade chegando ao fim, depois da qual não haverá mais tempo para
aprovação, mas sua situação estará inalteravelmente fixada, e jamais haverá
outra oferta de um Salvador. É horrível para a alma chegar às margens do
ilimitado mar da eternidade e insensivelmente se atirar nele, sem qualquer Deus
ou Salvador para lhe preservar. Ser trazida à beira do precipício e ver a si
mesma caindo no lago de fogo e enxofre, e sentir que não tem nenhum poder de
impedir sua queda: quem poderá contar os apertos e apreensões do coração em tal
situação? Como ela tenta voltar, mas, não obstante, continua; é vão desejar
mais uma oportunidade! Oh, como ele pensa que são felizes aqueles que estão a
sua volta, que ainda podem viver, ter sua vida prolongada, enquanto ele vai
para uma eternidade infindável! Como desejaria que acontecesse consigo o mesmo
que ocorre com os que têm mais tempo de se preparar para o julgamento! Mas não
será assim. A morte, enviada com o propósito de chamá-lo, não lhe dará descanso
nem alívio: ele deve comparecer diante do trono de Deus como está, ter seu
estado eterno determinado de acordo com suas obras. Para tais pessoas, como as
coisas parecem diferentes dos seus tempos de saúde, quando contemplavam a morte
à distância! Como o pecado lhes parece diferente agora, aqueles mesmos pecados
que costumavam menosprezar! Como é terrível olhar para trás e considerar como
gastaram seu tempo, sendo tolos, e como gratificaram e premiaram seus desejos
carnais, e viveram nos caminhos da impiedade; como foram descuidados, e como
negligenciaram suas oportunidades e vantagens, recusando-se a ouvir o conselho,
e como não se arrependeram apesar de todos os avisos que receberam! (Pv 5:11-13): “e gemas no fim de tua
vida, quando se consumirem a tua carne e o teu corpo, e digas: Como aborreci o
ensino! E desprezou o meu coração a disciplina! E não escutei a voz dos que me
ensinavam, nem a meus mestres inclinei os ouvidos!”
Como o mundo lhes parece
diferente agora! Costumavam lhe dar muito valor, e ter seus corações
arrebatados por ele; mas de que vale agora? Como são insignificantes todas as
riquezas! (Pv 11:4): “As riquezas
de nada aproveitam no dia da ira, mas a justiça livra da morte.” Que
pensamentos diferentes têm agora a respeito de Deus e de sua ira! Eles
costumavam desprezar a ira de Deus, mas como ela parece terrível agora! Como os
seus corações se comprimem ao pensar em comparecer diante desse Deus! Como seus
pensamentos a respeito do tempo são diferentes! Agora o tempo
parece precioso e o que não dariam por mais um pouco de tempo! Alguns, nestas
circunstâncias, foram levados a clamar: “Oh, um milhão de mundos por uma hora,
por um momento!” E como a eternidade parece diferente agora! Sim,
ela é de fato terrível. Alguns, no leito de morte, foram levados a clamar: “Oh
essa palavra Eternidade! Eternidade! Eternidade!” Que mar sombrio ela lhes
parece, quando chegam às suas margens! Com frequência, nestes tempos, clamam
por misericórdia, e clamam em vão. Deus os chamou, mas não ouviram. “Antes,
rejeitastes todo o meu conselho e não quisestes a minha repreensão; também eu
me rirei na vossa desventura, e, em vindo o vosso terror, eu zombarei” (Pv 1:26). Rogam a outros que orem por
eles, chamam os pastores, mas nada resolve. Chegam mais e mais perto da morte,
e a eternidade está mais e mais à porta. E quem pode expressar o seu horror,
quando se sentem agarrados pelos braços gelados da morte, quando sua respiração
falha mais e mais, e seus olhos começam a ficar fixos e a fraquejar! O que eles
sentem não pode ser dito ou concebido. Alguns ímpios têm muito do horror e
desespero do inferno na sua última doença. Ec
5:17: “Nas trevas, comeu em todos os seus dias, com muito enfado, com
enfermidades e indignação.”
II. Descreverei agora a ira
que acompanha os ímpios no porvir.
1. A alma, quando separada do
corpo, será lançada no inferno. Há, sem dúvida, um julgamento específico pelo
qual todo homem deve ser provado na morte, além do julgamento geral, pois a
alma, tão logo parte do corpo, aparece diante de Deus para ser julgada. Ec 12:7: “e o pó volte à terra, como
o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.” Isto é, para ser julgada e
preparada por Ele. Hb 9:27: “E,
assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o
juízo.” Mas este julgamento particular provavelmente não é uma ocasião
solene como aquele que acontecerá no dia final. A alma deve aparecer diante de
Deus, mas não da forma como os homens aparecerão no fim do mundo. As almas dos
ímpios não irão ao céu para se apresentar diante de Deus, nem Cristo descerá de
lá para a alma se apresentar diante dele. Nem se supõe que a alma será
carregada a algum lugar, onde haja algum símbolo especial da presença divina.
Mas Deus está presente em todo lugar, então a alma se conscientizará
imediatamente da Sua presença. As almas em um estado separado [do corpo]
estarão sensíveis da presença de Deus e de Suas operações de maneira diferente
do que estão agora. Pode-se dizer que todos os espíritos separados estão diante
de Deus: os santos estão em Sua gloriosa presença, e os ímpios no inferno estão
em Sua terrível presença. Somos informados que são atormentados na presença do
Cordeiro. Ap 14:10: “Também esse
beberá do vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua
ira, e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na
presença do Cordeiro.” Assim, a alma de um ímpio, na sua partida do corpo,
ficará imediatamente consciente de que está diante de um Deus infinitamente
santo e terrível, e do seu próprio Juiz final. E então verá como Ele é um Deus
terrível, verá como é santo, como odeia infinitamente o pecado; estará ciente
da grandeza da ira de Deus contra o pecado, e como é terrível Seu desprazer.
Estará consciente da terrível majestade e poder de Deus, e como é horrível
coisa cair em Suas mãos. Então a alma virá nua, com toda a sua culpa, em toda
sua imundície; uma vil, repugnante, abominável criatura, uma inimiga de Deus,
rebelde contra Ele, com a culpa de toda sua rebelião e menosprezo dos
mandamentos de Deus, e desprezo de Sua autoridade, e desrespeito pelo glorioso
evangelho, diante de Deus como seu Juiz. Isso a encherá de horror e espanto.
Não se deve pensar que esse julgamento será acompanhado com qualquer voz ou
qualquer outro relatório, como o julgamento no fim do mundo; mas Deus Se
manifestará em sua estrita justiça interiormente, às vistas imediatas da alma,
e ao sentido e apreensão da consciência. Este julgamento particular não será
obstáculo para que a alma seja lançada no inferno imediatamente ao sair do
corpo. Tão logo ela saia do corpo, saberá qual será seu estado e condição por
toda a eternidade.
Enquanto houver vida, há
esperança. O homem, enquanto vivia, embora sua situação fosse extremamente
terrível, possuía ainda esperança. Quando estava moribundo, havia ainda
possibilidade de salvação. Mas, uma vez que a união entre a alma e corpo for
quebrada, nesse exato momento o caso se torna desesperador, e não subsiste mais
esperança alguma, nenhuma possibilidade. Nos seus leitos de morte talvez
tivessem esperança que Deus se compadeceria deles e ouviria seus clamores, ou
que ouviria as preces dos seus amigos piedosos por eles; estavam prontos para
se agarrar em qualquer coisa que encontrassem, algum afeto religioso ou alguma
mudança na sua conduta externa, e se gabavam que eram então convertidos. Eram
capazes de se permitir algum grau de esperança devido às vidas morais que
viviam e que Deus os respeitaria e os salvaria.
Mas tão logo a alma parte do
corpo, a partir desse momento o caso está absolutamente determinado. Haverá
então um fim eterno para toda esperança, para tudo que os homens se agarravam
nesta vida; a alma então saberá com segurança que deve ser miserável por toda
eternidade, sem qualquer remédio. Verá que Deus é seu inimigo; verá seu Juiz
vestido em Sua ira e vingança. Então, sua miséria começará e será, neste
momento, engolida pelo desespero. O grande mar estará fixo entre ela e a
felicidade, a porta da misericórdia fechada para sempre, a sentença irrevogável
será dada. Então, os ímpios saberão o que está diante deles. Antes, a alma
estava aflita por temer como seria; mas agora, todos os seus temores
sobrevirão. Sobrevirão como um dilúvio poderoso, e não haverá escape. Devido ao
medo, a alma anteriormente estava cheia de espanto; mas agora, quem pode
conceber o assombro que a enche, quando toda esperança estiver cortada, e
estiver ciente que nada fará alguma diferença!
Quando morre um homem bom,
sua alma é conduzida pelos santos anjos ao céu. Lc 16:22: “Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos
para o seio de Abraão; morreu também o rico e foi sepultado.” Assim,
podemos bem supor que quando um ímpio morre, sua alma é agarrada pelos anjos
maus; que eles cercam sua cama prontos para arrebatar a alma miserável tão logo
ela deixe o corpo. E com que violência e fúria estes espíritos cruéis voarão
sobre suas presas e ela será deixada nas suas mãos! Não haverá bons anjos para
guardá-la e defendê-la. Deus não terá cuidado dela, não haverá nada que lhe
sirva de auxílio contra estes espíritos cruéis que a tomarão e a levarão ao
inferno, para ser atormentada para sempre. Deus a deixará completamente em suas
mãos, e a dará para sua possessão, quando vier a morrer; e será conduzida ao
inferno, a habitação dos demônios e espíritos condenados. Se o temor do inferno
no leito de morte, às vezes, enche os ímpios de terror, como serão esmagados
quando sentirem seus tormentos, quando descobrirem que são não apenas tão grandes,
mas até mesmo maiores que seus temores! Descobrirão que são muito além do que
poderiam conceber ao sentirem; pois ninguém sabe o poder da ira de Deus, senão
os que a experimentam. Sl 90:11: “Quem
conhece o poder da tua ira? E a tua cólera, segundo o temor que te é devido?”
As almas dos ímpios que
partiram são, sem dúvidas, levadas para algum lugar específico no universo que
Deus preparou para ser o receptáculo dos seus súditos ímpios, rebeldes e
miseráveis. Um lugar onde a justiça vingadora de Deus será glorificada; um
lugar feito para a prisão, onde demônios e ímpios estão reservados até o dia do
julgamento.
2. Aqui, as almas dos ímpios
sofrerão miséria extrema e incrível, em um estado separado [do corpo], até ao
dia da ressurreição. Esta miséria não é, na verdade, seu castigo pleno,
assim como não é a felicidade dos santos completa antes do dia do julgamento.
Acontece com as almas dos ímpios o mesmo que acontece com os demônios. Embora
estes sofram tormentos extremos agora, contudo ainda não sofrem seu castigo
completo; e, portanto, é dito que foram lançados ao inferno e presos em
cadeias. 2 Pe 2:4: “Ora, se Deus
não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, os entregou
a abismos de trevas, reservando-os para juízo.” Jd 6: “E a anjos, os que não guardaram o seu estado
original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas,
em algemas eternas, para o juízo do grande Dia.” Eles são reservados no
estado em que estão; e para que estão reservados, senão para grau maior de
punição? Logo, vemos que tremem de medo. Tg
2:19: “Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios creem e
tremem.” Da mesma forma, quando Cristo esteve sobre a terra, os demônios
tinham muito medo que Ele tivesse vindo para os atormentar. Mt 8:29: “E eis que gritaram: Que
temos nós contigo, ó Filho de Deus! Vieste aqui atormentar-nos antes de tempo?”
Mc 5:7: “exclamando com alta voz:
Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por Deus que
não me atormentes!”
Mas, ainda assim, lá eles
estão, em extrema e inconcebível miséria; privados de todo bem, sem nenhum
descanso ou conforto, e estão sujeitos à ira de Deus. Ele lá executa Sua ira
contra eles sem misericórdia, e são engolidos em ira. Lc 16:24: “Então, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia
de mim! E manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a
língua, porque estou atormentado nesta chama.” Aqui nos é dito que, quando
o rico morreu, estando em tormentos, levantou seus olhos e disse a Abraão que
estava atormentado em uma chama. E parece que a chama não estava apenas sobre ele,
mas nele; assim, pede por uma gota de água para refrescar sua
língua. Isto, sem dúvida, serve para nos representar que eles estão cheios da
ira de Deus, como se fosse fogo, e estarão lá atormentados em meio a demônios e
espíritos condenados; e terão tormentos indizíveis devidos às suas próprias
consciências. A ira de Deus é o fogo que nunca será apagado, e a consciência o
verme que nunca morre (Is 66:24).
Como os homens sofrem do horror da consciência, às vezes, neste mundo! Mas como
sofrerão ainda mais no inferno! Quantas reflexões amargas e atormentadoras
terão com relação à tolice de que foram culpados em suas vidas, por terem
negligenciado suas almas, quando tiveram oportunidade de arrependimento; por
terem continuado tão tolamente a entesourar ira para o dia da ira,
acrescentando pecados ao seu registro, dia após dia, fazendo sua miséria cada
mais maior; como atiçaram as chamas do inferno para si mesmos, e passaram suas
vidas ajuntando combustível! Não serão capazes de resolver tais pensamentos em
suas mentes; e como serão atormentadores! E os que vão ao inferno, jamais podem
escapar de lá; lá ficarão aprisionados até o dia do julgamento, e seus
tormentos continuarão perpetuamente. Os ímpios que morreram muitos anos atrás,
suas almas foram para o inferno, e ainda estão lá; os que foram ao inferno nas
eras passadas, desde então, estão lá, sempre em tormentos. Não têm mais nada
para passar o tempo, senão sofrendo tormentos, são mantidos conscientes para
nenhum outro propósito; e, embora tenham muitos companheiros no inferno,
contudo não têm conforto, pois não há amigo, amor, piedade, quietude, nem
sombra de esperança.
3. As almas separadas dos
ímpios, além da miséria presente que sofrem, estarão em terrível medo de seu
julgamento mais pleno no Dia do julgamento. Embora sua punição no estado
separado seja extremamente terrível, e muito além do que possam suportar,
embora seja tão grande a ponto de afundá-las e esmagá-las, contudo, não termina
aqui, pois estão reservadas para uma punição muito maior e mais terrível. Seus
tormentos serão, então, vastamente aumentados, e continuarão aumentando por
toda a eternidade. Seu castigo será tão grande que suas misérias nesse estado separado
não são senão como uma prisão antes da execução; elas, bem como os demônios,
estão presas em cadeias de escuridão. Jd
6: “E a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas
abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas
eternas, para o juízo do grande Dia.” Os espíritos separados são chamados
“espíritos em prisão.” 1 Pe 3:19: “no qual também foi e
pregou aos espíritos em prisão.” E, se a prisão é terrível, como será
terrível a execução! Quando estamos sofrendo alguma dor muito forte no corpo,
como lamentamos qualquer aumento nela! Só o fato de continuar a doer é muito
ruim, quanto mais aumentar. Como esses espíritos separados, que sofrem os
tormentos do inferno, mais ainda temerão o aumento e plenitude do seu tormento
que haverá no Dia do julgamento. O que já sentem é largamente mais do que podem
suportar; quando estão, por assim dizer, rogando por uma gota d’água para
refrescar sua língua, quando dariam dez mil mundos por um mínimo de abatimento
de sua miséria! Como seria então sinistro pensar que, ao invés disso, está
vindo o Dia quando Deus dará do céu a sentença de um grau de miséria muito mais
terrível, e que continuarão debaixo dele para sempre! A experiência que têm do
terror da ira de Deus os convence completamente como é terrível Sua ira; eles,
portanto, ficarão extremamente temerosos dessa ira plena que ele executará no
Dia do julgamento; não terão esperança de escapar, saberão com certeza que ela
virá.
O temor disso faz os
demônios, estes espíritos poderosos, orgulhosos e teimosos, tremerem: eles
creem na ameaça, e, portanto, tremem. Se este temor os vence, como não esmagará
as almas dos ímpios! Todo o inferno treme ao pensar no dia do julgamento.
4. Quando vier o dia do
julgamento, deverão levantar-se para a ressurreição da condenação. Quando esse
dia vier, toda a humanidade que houver morrido na face da terra ressurgirá; não
apenas os justos, mas também os ímpios. Dan
12:2: “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a
vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno.” Ap 20:13: “Deu o mar os mortos que nele estavam. A morte e o
além entregaram os mortos que neles havia. E foram julgados, um por um, segundo
as suas obras.” Os condenados no inferno não sabem o tempo em que o Dia do
julgamento acontecerá, mas quando este tempo chegar, será conhecido, e serão as
notícias mais terríveis que jamais foram ouvidas neste mundo de misérias.
Sempre é tempo doloroso no inferno; o mundo da escuridão é cheio de gritos e
clamores dolorosos; mas quando as novas forem ouvidas, que o Dia apontado do
julgamento chegou, o inferno se encherá de gritos mais altos e clamores mais
terríveis que jamais houve. Quando Cristo vier nas nuvens dos céus para o
julgamento, as notícias sobre Ele encherão tanto a terra quanto o inferno com
gemidos e gritos amargos. Lemos que todas as famílias da terra se lamentarão
por sua causa, e, da mesma forma, os habitantes do inferno; e então as almas
dos ímpios devem ser unidas aos seus corpos, e permanecerão diante do Juiz. Não
devem vir voluntariamente, mas serão arrastadas, como o malfeitor é arrastado
do calabouço para a execução. Não foi de boa vontade que morreram, e
deixaram a terra para ir ao inferno; mas é de muito mais má vontade que sairão
do inferno para se dirigirem ao julgamento final. Não será uma libertação para
elas, será apenas uma ida para a execução. Irão retroceder, mas devem vir; os
demônios e espíritos condenados devem vir juntos. A última trombeta será então
ouvida, e este será o som mais pavoroso para os ímpios e demônios que jamais
foi ouvido; e não apenas os ímpios, que então serão achados habitando a terra,
a ouvirão, mas também os que estiverem nos seus túmulos. Jo 5:28, 29: “Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em
que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que
tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o
mal, para a ressurreição do juízo.” E então as almas dos ímpios deverão
entrar novamente nos seus corpos, que estarão preparados apenas para serem os
vasos de tormento e miséria. Será uma visão terrível para elas quando entrarem
novamente nos seus corpos, os mesmos que anteriormente foram usados como
membros e instrumentos do pecado e da impiedade, e cujos apetites e desejos
elas permitiram e gratificaram. A separação do corpo e da alma lhes foi
terrível quando morreram, mas a reunião na ressurreição será ainda mais
terrível. Receberão seus corpos imundos e odiosos, de acordo com a vergonha e
desprezo eterno para o qual estão destinados. Assim como os corpos dos santos
surgirão mais gloriosos que na terra, e serão à semelhança do corpo glorioso de
Cristo, da mesma forma, podemos bem supor que os corpos dos ímpios serão
proporcionalmente mais deformados e odiosos. Muitas vezes neste mundo uma alma
poluída está escondida em um corpo fino e belo, mas não será assim então,
quando as coisas aparecerão como elas são; a forma e o aspecto do corpo serão
de acordo com a deformidade infernal da alma. Assim surgirão dos seus túmulos,
e levantarão os olhos, e verão o Filho de Deus nas nuvens dos céus, na glória
de Seu Pai, com Seus santos anjos com Ele. Então verão seu Juiz em Sua terrível
majestade, que será a visão mais incrível que jamais tiveram, e acrescentará
ainda mais novos horrores. Essa terrível e esplêndida majestade na qual Ele
aparecerá, e as manifestações de sua infinita santidade, espicaçará suas almas.
Virão dos seus túmulos, todos tremendo e atônitos; o terror os surpreenderá.
5. Então, aparecerão diante
do seu Juiz para prestar contas. Não acharão montanhas ou rochas que caiam
sobre eles, que possam cobri-los, e escondê-los da ira do Cordeiro. Muito deles
verão outros nessa ocasião, que foram seus antigos conhecidos, que aparecerão
em corpos gloriosos, e com semblantes alegres e cânticos de louvor, e se
elevando como que com asas para encontrar o Senhor nos ares, enquanto eles são
deixados para trás. Muitos verão seus antigos vizinhos e conhecidos, seus
companheiros, irmãos, e suas esposas sendo levados. Serão convocados a
comparecer diante do tribunal; e devem ir, mesmo que não queiram; devem
permanecer à esquerda de Cristo, em meio a demônios e ímpios. Isto, de novo,
acrescentará mais espanto, e fará com que seu horror seja ainda maior. Com que
terror essa sociedade se ajuntará! E então serão chamados a prestar contas;
serão trazidas à luz as coisas ocultas das trevas; todas as impiedades do
coração serão conhecidas; serão declaradas as reais impiedades de que são
culpados; aparecerão seus pecados secretos, que foram cometidos longe dos olhos
do mundo; agora serão manifestos na sua luz verdadeira aqueles pecados que
costumavam apreciar, e desculpar e justificar. E todos os seus pecados serão
apresentados com todos os seus terríveis agravantes, e sua imundície será
trazida à luz para sua vergonha e desprezo eterno. Então ficará claro como
muitas destas coisas eram hediondas, coisas que em vida faziam pouco caso;
então aparecerá como foi terrível sua culpa no seu desprezo por um Salvador tão
glorioso e bendito. E todo mundo verá e muitos se levantarão em julgamento
contra eles e os condenarão; seus companheiros a quem tentaram para a
impiedade, outros que foram endurecidos pelo seu exemplo, se levantarão contra
muitos deles; e os pagãos que não tiveram tantas vantagens em comparação com
eles, e muitos que, ainda assim, viveram vidas melhores, se levantarão contra
eles. Serão, então, chamados para um relato especial; o Juiz declarará sua
pena, ficarão mudos, sem ter o que dizer, pois verão então como Ele é um Deus
grande e terrível, este mesmo contra quem pecaram. Então ficarão à Sua
esquerda, enquanto outros a quem conheceram na terra sentarão à direita de
Cristo em glória, brilhando como o sol, aceitos por Cristo, e sentados com Ele
para julgá-los e condená-los.
6. Então a sentença da
condenação será pronunciada pelo Juiz sobre eles. Mt 25:41: “Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua
esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o
diabo e seus anjos.” Essa sentença será pronunciada com terrível majestade;
e haverá grande indignação, e terrível ira aparecerá no Juiz, e em sua voz, com
a qual pronunciará a sentença; e com que horror e surpresa estas palavras
atingirão os corações dos ímpios, para quem serão pronunciadas! Cada palavra e
sílaba será como o mais terrível trovão para eles, e espicaçará suas almas como
o relâmpago mais penetrante. O Juiz lhes ordenará que se apartem dele; os
expulsará de Sua presença, como grandemente abomináveis para Ele, e lhes
alcunhará de malditos; serão uma sociedade maldita, e não apenas lhes
ordenará que saiam de sua presença, mas que vão para o fogo eterno, para lá
habitar como a sua única morada digna. E o que mostra como o fogo é terrível é
que ele está preparado para o diabo e seus anjos: eles permanecerão para sempre
no mesmo fogo em que os demônios, estes grandes inimigos de Deus, serão
atormentados. Quando esta sentença for pronunciada, haverá no vasto grupo à
esquerda tremores e soluços, e gritos, e ranger de dentes, de uma nova forma,
que jamais houve antes. Se os demônios, estes espíritos soberbos e elevados,
tremem há muitas eras de antemão ao mero pensamento desta sentença, como irão
tremer quando ela vier a ser pronunciada! E como os ímpios tremerão! Sua
angústia será agravada ao ouvirem a bendita sentença pronunciada para aqueles
que estarão à direita: “então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita:
Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado
desde a fundação do mundo.”
7. Então a sentença será
executada. Quando o Juiz ordenar que partam, devem ir; mesmo contra sua
vontade, devem ir. Imediatamente após o fim do julgamento e a pronúncia da
sentença, chegará ao fim o mundo. A estrutura deste mundo será dissolvida. A
pronúncia da sentença será, provavelmente, seguida de trovões, que rasgarão os
céus e tremerão a terra do seu lugar. 2
Pe 3:10: “Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os
céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados;
também a terra e as obras que nela existem serão atingidas.” Então o mar e
as ondas se agitarão, e as rochas serão derrubadas, e as montanhas serão
rasgadas, e haverá um naufrágio universal deste grande mundo. Os céus serão
dissolvidos, e a terra será posta em chamas. Assim como Deus, em ira, uma vez
destruiu o mundo por um dilúvio de águas, assim agora faz com que ele se afogue
em um dilúvio de fogo; e os céus estarão em chamas, serão dissolvidos, e os
elementos se fundirão com o calor fervente. (2 Pe 3:10); e aquela grande súcias de demônios e ímpios entrará
nessas chamas eternas para a qual foram sentenciados.
8. Nesta condição
permanecerão por todas as infindáveis eras da eternidade. Sua punição estará,
então, completa, e permanecerá nesta completude para sempre. Agora virá sobre
eles tudo o que temeram enquanto suas almas estavam no estado separado.
Habitarão em um fogo que jamais se apagará, e aqui vestirão a eternidade.
Aqui suportarão mil anos após mil anos, e sem chegar ao fim. Não há
cálculo dos milhões de anos ou milhões de eras; toda aritmética falha aqui, não
há regras de multiplicação que possa alcançar a quantidade, pois não haverá
fim. Não terão nada a fazer para passar a eternidade, a não ser se atormentar
com aqueles tormentos; este será seu trabalho para todo o sempre; Deus não terá
nenhum outro uso para eles; esta é a maneira que responderão ao propósito de
suas existências. E nunca terão descanso, nem expiação, mas seus tormentos se
manterão a sua altura, e nunca ficarão mais toleráveis, pois jamais se
acostumarão a eles. O tempo lhes parecerá longo, todo momento será longo para
eles, mas jamais acabarão, como todas as eras de seu tormento.
Aplicação
I. Assim, que cuidado temos
que ter que nosso fundamento para a eternidade esteja assegurado! Os que
edificam em um falso fundamento, não estão seguros dessa miséria. Os que
constroem um refúgio de mentiras descobrirão que seu refúgio de nada lhes
adiantará. Os muros que rebocaram com cimento frágil cairão. Quanto mais
terrível a miséria, mais necessidade temos de ver que estejamos livres dela.
Será terrível, de fato, ser desapontado em tal matéria. Acariciar-nos com
sonhos e vãs imaginações de ser filho de Deus, e de ir para o céu, e, ao fim,
acordar no inferno, ver nosso refúgio varrido, e nossa esperança eternamente
perdida, e nos descobrir engolidos pelas chamas, e ver uma eternidade
infindável diante de nós. Como será terrível!
Haverá muitos que serão assim
desapontados. Muitos virão à porta e a encontrarão fechada, estes mesmos que a
esperavam aberta, e baterão, mas Cristo lhes dirá que não os conhece, e os
ordenará que partam, e será inútil para eles comunicar a Cristo acerca das
afeições que tiveram, e como foram religiosos, e como foram bem reputados na
terra. Não terão resposta alguma senão: "Apartai-vos de mim, não vos
conheço, vós os que praticais a iniquidade." Consideremos isto, e
tenhamos toda diligência em ver que edificamos na certeza de que, de toda
forma, seremos achados em Cristo. Observemos se, de fato, estamos bem seguros
desta terrível miséria. Do que adiantará nos agradar com uma noção de sermos
convertidos, e sermos amados por Deus? E do que adiantará termos uma boa
reputação com os nossos vizinhos por alguns dias, se formos no fim lançados no
inferno, e aparecermos no dia do julgamento à esquerda [de Cristo], e termos
nossa porção eterna com os ímpios? Uma falsa esperança não tem valor, e é mil
vezes pior do que o total desespero. E quem é mais miserável do que aqueles que
acham que Deus perdoou seus pecados e que esperam ter uma porção com os santos
na eternidade, mas, enquanto isso, estão se precipitando de cabeça nesta
miséria terrível? Que situação seria mais triste do que a dos que assim são
conduzidos vendados para a morte, prometendo a si mesmos uma felicidade que
jamais virá, pelo contrário, estarão se afogando na tribulação e angústia
infindáveis!
Que todos, portanto, que
mantêm esperança de seu próprio estado, vejam que estão bem fundamentados; e
que não descansem em sucessos passados, mas prossigam em frente, para as coisas
que estão adiante com toda a sua força.
II. Também podemos derivar um
argumento para o despertamento dos ímpios. Esta indignação e ira, tribulação e
angústia é a porção reservada a você, se continuar no seu estado atual. Você é
a pessoa a quem me referia; é para você que toda essa miséria está reservada
pelas ameaças da Santa Palavra de Deus. É sobre você que permanece essa ira de
Deus. Neste momento, você está em um estado de condenação a esta miséria. Jo 3:18: "o que não crê já está
condenado." Ainda não foi executada a sentença, mas você já está
condenado a ela; não está simplesmente exposto à condenação, mas já está sob a
sentença real de condenação. Esta é a porção que lhe está reservada pela lei, e
você está sob a lei e não sob a graça. Esta é a miséria na qual você corre o
perigo diário de cair. Você não está seguro nem por uma hora. O tempo em que
ela virá, é incerto. Você está suspenso sobre ela por um fio, que a cada dia se
torna mais e mais fraco. Esta miséria terrível, em todas as suas partes
sucessivas, lhe pertence, e é a sua porção.
Se seus amigos e vizinhos, se
todos ao seu redor, soubessem qual é a sua condição, poderiam muito bem
levantar a voz em um clamor alto e amargo por sua causa, quando o
contemplassem. Poderiam dizer: “Eis aqui um ser infeliz, condenado a ser
entregue eternamente nas mãos dos demônios e ser atormentado por eles. Eis aqui
um miserável, que está em perigo diário de ser engolido pelo mar sem fundo de
tristeza e miséria. Eis aqui uma criatura miserável e perdida, condenada a
passar a eternidade em fogo que não se apaga, e habitar em meio a chamas
eternas; e ainda assim, não tem interesse em um Salvador, não tem nada para o
defender, nada com que possa aplacar a ira de um Deus ofendido.” Aqui,
considere duas coisas:
1. Você não tem razão alguma
para questionar a realidade destas misérias e tormentos futuros, que são
ameaçados na Palavra de Deus. Não se exalte com o pensamento de que isso pode
não acontecer. Não diga: “Como eu saberei que existe tal miséria a ser
infligida em outro mundo? Como eu saberei se isso não passa de uma fábula, e
que quando vier a morrer haverá um fim para mim, e ocorrerá comigo o mesmo que
acontece com as feras?” Não diga: “Como eu saberei se tudo isso não passa de
fantasmas da invenção humana? Como eu saberei se as Escrituras, que ameaçam
estas coisas, são a Palavra de Deus? Talvez Ele tenha ameaçado essas coisas
apenas para amedrontar os homens, para mantê-los no seu dever, sem ter jamais a
intenção de cumprir com suas ameaças.”
Digo que não há base para
suspeitas, nem razões para ela, pois que não haverá um castigo futuro é não
apenas contrário à Escritura, mas à razão. Não é razoável supor que não haverá
um castigo futuro, ou supor que Deus, que fez o homem racional, capacitado a
reconhecer seu dever, e sensível de que merece punição quando não o faz, deixaria
o homem abandonado, para viver ao seu capricho, e que nunca o puniria por seus
pecados, e não diferenciaria entre o bom e o mau. Ou que faria a humanidade e a
abandonaria, que deixaria o homem viver todos os seus dias na impiedade, no
adultério, homicídio, roubo e abuso, e coisas tais, e permitiria que vivessem
prosperamente, sem puni-los jamais; que ficaria passivo vendo sua prosperidade
no mundo, muito além dos justos, sem puni-los na eternidade. Como é irracional
supor que Aquele que fez o mundo deixaria as coisas em tal confusão, e nunca
tomaria cuidado com o governo de Suas criaturas e que jamais julgaria Suas
criaturas racionais! A razão ensina que há um Deus, e também ensina que, se
houver, Ele deve ser um Deus sábio e justo, e que deve se preocupar em ordenar
as coisas sábia e justamente entre Suas criaturas. Portanto, não é razoável
supor que os homens morrem como as feras e que não há castigo futuro. E se há
castigo futuro, não é razoável supor que Deus não tenha, em algum lugar ou
outro, dado aviso aos homens acerca dele, e lhes revelado que tipo de punição
devem esperar. Um legislador sábio manteria seus súditos em ignorância quanto à
punição que devem esperar por quebrar sua lei? E se Deus a revelou, onde mais
será encontrada a não ser na Escritura? Que revelação temos de um estado futuro
se não estiver nela revelada? Onde mais, senão aqui, Deus fala à humanidade que
tipo de recompensas e punições deve ela esperar? E está abundantemente
manifesto, por inúmeras evidências, que estas ameaças são as ameaças de Deus, e
que este livro temível é Sua revelação. E uma vez que esta ameaça procede de
Deus, não há motivo para objeção quanto ao seu cumprimento. Pois Ele disse,
sim, até mesmo jurou, que retribuirá ao ímpio na sua face, de acordo com suas
ameaças, e que será glorificado em sua destruição, e que este céu e esta terra
passarão. Como é tolo, então, pensar que Deus possa apenas ameaçar tais
castigos para o amedrontamento dos homens, sem jamais pretender executá-los!
Pois tão certo como Deus é Deus, fará conforme Suas palavras. Ele destruirá as
montanhas da iniquidade conforme Suas ameaças, e não haverá escape. Como é vão
o pensamento daqueles que se iludem dizendo que Deus não cumprirá Suas ameaças,
e que Ele apenas atemoriza e engana os homens por meio delas. Como se Deus não
pudesse de outra maneira governar o mundo senão por meio de engodos e embustes
falaciosos para iludir seus súditos! Os que acariciam tais pensamentos,
conquanto possam estar endurecidos no presente, os entreterão somente por um
pouco. Sua experiência, em breve, lhes convencerá que Deus é um Deus da
verdade, e que Suas ameaças não são ilusões. Quando for tarde demais para
escapar, serão convencidos de que ele é um Deus que de forma alguma inocenta o
culpado, e que Suas ameaças são substanciais e não meras sombras. Dt 29:18-21: “Para que, entre vós,
não haja homem, nem mulher, nem família, nem tribo cujo coração, hoje, se
desvie do SENHOR, nosso Deus, e vá servir aos deuses destas nações; para que
não haja entre vós raiz que produza erva venenosa e amarga, ninguém que,
ouvindo as palavras desta maldição, se abençoe no seu íntimo, dizendo: Terei
paz, ainda que ande na perversidade do meu coração, para acrescentar à sede a
bebedice. O SENHOR não lhe quererá perdoar; antes, fumegará a ira do SENHOR e o
seu zelo sobre tal homem, e toda maldição escrita neste livro jazerá sobre ele;
e o SENHOR lhe apagará o nome de debaixo do céu. O SENHOR o separará de todas
as tribos de Israel para calamidade, segundo todas as maldições da aliança
escrita neste Livro da Lei.” Sl
50:21: “Tens feito estas coisas, e eu me calei; pensavas que eu era teu
igual; mas eu te arguirei e porei tudo à tua vista.”
2. Não há razão para pensar
que seja possível que os ministros [do evangelho] apresentem este assunto além
do que realmente seja; que possivelmente não seja tão horrível e terrível como
se pretende, e que os ministros forçam a sua descrição além dos limites justos.
Alguns prontamente pensam assim, pois lhes parece incrível que haja miséria tão
terrível para qualquer criatura; mas não há razão alguma para tais pensamentos,
se considerarmos:
Primeiro. Como é grande a punição que merecem os pecados
dos ímpios. A Escritura nos ensina que qualquer pecado merece a morte eterna: Rm 6:23: “porque o salário do pecado
é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso
Senhor.” E que ele merece a maldição eterna de Deus. Dt 27:26: “Maldito aquele que não confirmar as palavras desta
lei, não as cumprindo. E todo o povo dirá: Amém!” Gl 3:10: “Todos quantos, pois, são das obras da lei estão
debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece
em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las.” Tudo isso
implica que o menor pecado merece destruição eterna e total. A morte eterna, no
seu grau mínimo, equivale a tal grau de miséria, assim como a destruição
perfeita da criatura, a perda de todo bem, e a perfeita miséria; e, portanto,
ser maldito de Deus implica nisso. Ser maldito de Deus é ser destinado à
perfeita e final destruição. A Escritura ensina que os ímpios serão punidos em
seu completo merecimento, que devem pagar toda sua dívida.
Segundo. Não há razão para achar que os ministros
descrevem a miséria dos ímpios além do que ela é, porque a Escritura nos ensina
que este é um dos fins dos ímpios: Rm
9:22: “Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a
conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira,
preparados para a perdição.” A Bíblia, com frequência, nos diz que é parte
da glória de Deus que Ele seja um Deus terrível e temível. Sl 68:35: “Ó Deus, tu és tremendo nos teus santuários”; que
é um fogo consumidor. Sl 66:3: “Que
tremendos são os teus feitos! Pela grandeza do teu poder, a ti se mostram
submissos os teus inimigos.” E que assim uma parte da glória de Deus seja
representada, é terrível coisa injuriar e ofender a Deus. A ira de um rei é
como o rugido de um leão, a de um homem é, às vezes, terrível, mas a punição
futura dos ímpios serve para mostrar como é a ira de Deus; é para mostrar a
todo o universo a glória do Seu poder. 2
Ts 1:9: “Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face
do Senhor e da glória do seu poder.” E, portanto, o sofrimento aqui
descrito não é de forma alguma incrível, e não há razão para supor que tenha
sido minimamente descrito além do que realmente seja.
Terceiro. A Escritura mostra que a ira de Deus sobre os
ímpios é terrível além do que possamos conceber. Sl 90:11: “Quem conhece o poder da tua ira? E a tua cólera,
segundo o temor que te é devido?” Assim como não sabemos senão um pouco
acerca de Deus, da mesma forma que não conhecemos e podemos conceber senão um
pouco do seu poder e de sua grandeza, também é verdade que não conhecemos senão
um pouco do terror de sua ira; e, portanto, não há razão para crer que a
apresentamos além do que é. Temos razão, ao contrário, para supor que, após ter
dito e pensado no nosso limite, tudo o que dissemos ou pensamos não passa de
tosca sombra da realidade.
Somos ensinados que a
recompensa dos santos está além de tudo que pode ser dito ou concebido. Ef 3:20: “Ora, àquele que é poderoso
para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos.” 1 Co 2:9: “Nem olhos viram, nem
ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado
para aqueles que o amam.” E assim podemos racionalmente supor que o castigo
dos ímpios da mesma forma será inconcebivelmente terrível.
Quarto. Não há razão para pensar que apresentamos a
miséria do inferno além da realidade, porque a Escritura nos ensina que a ira
de Deus é de acordo com seu temor (Sl
90:11). Esta passagem afirma que a ira de Deus é de acordo com os seus
grandiosos atributos, a sua grandeza e seu poder, sua santidade e força. A
majestade de Deus é extremamente grande e temível, e de acordo com seu temor é
a sua ira; este é o sentido das palavras. Daí, podemos concluir que a ira de
Deus é, sem dúvidas, terrível, além de toda expressão e significado. Como é, de
fato, grande e temível Sua majestade, que criou os céus e a terra, e com que majestade
virá julgar o mundo no último dia! Virá para tomar vingança contra os ímpios. A
visão desta majestade atingirá os ímpios com apreensões e temores de
destruição.
Quinto. A descrição que fiz da tribulação e ira que
virá sobre os ímpios não está além da verdade, pois é a mesma descrição que a
Escritura dá. Ela diz que os ímpios serão lançados na fornalha de fogo; não
apenas no fogo, mas em uma fornalha. Mt
13:42: “e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de
dentes.” Ap 20:15: “E, se alguém
não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago
de fogo.” Sl 21:8, 9: “A tua
mão alcançará todos os teus inimigos, a tua destra apanhará os que te
odeiam. Tu os tornarás como em fornalha ardente, quando te manifestares; o
SENHOR, na sua indignação, os consumirá, o fogo os devorará.”
Se, portanto, representei
esta miséria além da verdade, então a Escritura fez o mesmo. É evidente, então,
que não há razão para se exaltar com tais imaginações. Se Deus for verdadeiro,
você encontrará Sua ira, e sua miséria futura, tão plena quanto grande; e não
apenas isso, mas muito maior, e descobrirá que conhecemos um pouco, e dissemos
pouco sobre ela, e todas as nossas expressões são toscas quando comparadas à
realidade.
III. Da mesma maneira, pode
ser derivado um argumento para convencer os ímpios da justiça de Deus ao
reservar-lhes tal porção. Os ímpios, quando ouvem falar de como é terrível a
miséria que os ameaça, com frequência levantam os corações contra Deus por
isso; parece-lhes muito dura a maneira que Deus lida com as suas criaturas. Não
concebem o porquê de Deus ser tão severo com os ímpios, por seus pecados e
tolices transitórios neste mundo; e quando consideram que Ele ameaçou tais
castigos, são prontos a entreter pensamentos blasfemos contra Ele. Portanto,
esforçar-me-ei para lhe mostrar como você está, com justiça, exposto a essa
indignação e ira, tribulação e angústia, que ouviu. Em particular, quero
mostrar:
Primeiro, como seria justo se Deus o abandonasse a si
mesmo: seria muito justo se Deus rejeitasse estar com você ou ajudá-lo.
Você abraçou e se recusou a
abandonar aquelas coisas que Deus odeia; recusou-se a esquecer de seus desejos
carnais e abandonar os caminhos do pecado que são abomináveis a Ele. Quando
Deus lhe ordenou que os abandonasse, se recusou, e ainda permanece neles, de
maneira obstinada! Nem se apartou seu coração até hoje do pecado; mas ele lhe é
querido, você o guarda no melhor lugar do coração, e o entroniza lá. Seria
incrível então se Deus o abandonasse completamente, já que você não abandonará
o pecado? Ele sempre declarou seu ódio pela iniquidade; e seria incrível se não
estivesse disposto a habitar junto com o que lhe é tão odioso? Não é razoável
que Deus insista que você se aparte da concupiscência a fim de desfrutar sua
presença, e, visto que há tanto tempo se recusa, não seria justo se Deus o
abandonasse completamente? Você sustenta e abriga os inimigos mortais de Deus,
o pecado e Satanás; como é justo, portanto, que Deus se mantenha à distância!
Ele é obrigado a estar presente com alguém que abriga seus inimigos, e se
recusa a abandoná-los? Seria Ele injusto, se o abandonasse completamente a si
mesmo, já que você não esqueceu seus ídolos?
Considere como seria justo se
Deus o abandonasse, já que você O abandonou. Você não O buscou e à Sua presença
e auxílio como deveria ter feito. Você O negligenciou. Não seria justo,
portanto, se Ele o negligenciasse? Por quanto tempo muitos de vocês viveram na
negligência de buscá-lo? Por quanto tempo vocês restringiram as orações?
Portanto, uma vez que se recusaram tanto buscar a Sua presença e ajuda, não
poderia Ele, com justiça, reter [essas bênçãos] para sempre, e, dessa maneira,
deixá-los completamente entregues a si mesmos?
Você fez o que esteve
ao seu alcance para se alienar de Deus, e fazer com que Ele o abandonasse
completamente. Quando Deus, nos tempos passados, não o abandonou, mas foi
incansável em despertá-lo, você não resistiu aos movimentos e influências do
Seu Espírito? Não se recusou a ser conduzido, ou render-se a Ele? Zc 7:11: “Eles, porém, não quiseram
atender e, rebeldes, me deram as costas e ensurdeceram os ouvidos, para que não
ouvissem.” Como seria justo, então, Deus recusar-se a mover ou lutar por
você! Quando Deus esteve batendo a sua porta, você se recusou a abri-la; como
seria justo então se Ele fosse embora, e não mais batesse nela! Quando o
Espírito de Deus esteve lutando com você, não foi você culpado de entristecer o
Espírito Santo ao dar espaço a um espírito disputador, e ao render-se como uma
presa para a luxúria? E alguns de vocês não apagaram o Espírito, e não são
culpados de apostasia? E Deus é obrigado, apesar disso tudo, a continuar a
lutar com Seu Espírito com vocês, a ser resistido e entristecido, até o momento
que se agradarem? Pelo contrário, não seria justo se os abandonasse
eternamente, e os deixasse sozinhos?
2. Como seria justo se você
fosse amaldiçoado em todos os seus interesses neste mundo! Seria justo se Deus
o amaldiçoasse em tudo, e fizesse todas as suas diversões e ocupações
voltarem-se para a sua destruição.
Você vive aqui em todas as
ocupações da vida como um inimigo de Deus; e usou todas as suas posses e
prazeres contra Ele, e para a Sua desonra. Não seria, então, justo se Deus o
amaldiçoasse nessas coisas, e as revertesse contra você, e para a sua
destruição? Que benção temporal que Deus lhe deu, que você não usou no serviço
de suas luxúrias, e no serviço do pecado e de Satanás? Se teve prosperidade,
você a usou para a desonra de Deus; quando engordou, abandonou o Deus que o
criou. Como não seria justo, portanto, se a maldição de Deus acompanhasse todas
as suas diversões! Quaisquer empregos que teve, não serviu a Deus com eles, mas
aos Seus inimigos. Como seria justo então se fosse amaldiçoado nos seus
empregos! Os meios de graça que desfrutou, você não fez uso deles como deveria
ter feito; mas os menosprezou, e os tratou de uma maneira desrespeitosa e
descuidada; fez o pior e o não o melhor com eles. Assim atendeu e fez uso
do Dia do Senhor, e das oportunidades espirituais, apenas como ocasião para
manifestar seu desprezo por Deus e por Cristo, e pelas coisas divinas, pela sua
maneira profana de aproveitá-los. Portanto, não seria justo se a maldição de
Deus acompanhasse seus meios de graça, e as oportunidades que você desfruta
para a salvação da sua alma?
Você aproveitou seu tempo
apenas com provocações e acrescentando às suas transgressões, em oposição a
todos os chamados e avisos que lhe poderiam ter sido dado; quão justo seria,
portanto, se Deus tornasse a sua própria vida uma maldição, e se Ele o
tolerasse apenas para encher a medida dos seus pecados!
Você, agindo ao contrário dos
conselhos de Deus, fez uso das suas diversões apenas para ferir sua [própria]
alma, portanto, se Deus as revertesse para a sua dor e ruína, estaria lidando
com você como você lida consigo mesmo. Deus o aconselhou incansavelmente a usar
os aproveitamentos temporais para o seu bem espiritual, mas você se recusou a
ouvi-lo, e tolamente os perverteu para entesourar ira para o dia da ira, e
voluntariamente usou o que Deus lhe deu para a sua ruína espiritual, para
aumentar a culpa e machucar sua própria alma; e, portanto, se a maldição de
Deus os acompanhar, de forma que eles se tornem para a ruína da sua alma, você
estaria sendo tratado da mesma forma como trata a si mesmo.
3. Como seria justo se Deus o
cortasse e pusesse um fim a sua vida!
Você grandemente abusou da
paciência e longanimidade de Deus, que já foi exercida em seu favor. Deus, com
maravilhosa longanimidade, suportou-o, quando se rebelou contra Ele, e
recusou-se a se desviar dos maus caminhos. Ele o contemplou caminhando
obstinadamente nos caminhos da provocação, e ainda assim não derramou sua ira
sobre você, para destruí-lo, mas ainda tem aguardado para ser gracioso. Ele tem
sido longânimo com você, ao permiti-lo ainda viver em Sua terra, e respirar Seu
ar; e o manteve e o preservou, e continuou a alimentá-lo, e vesti-lo, e a
mantê-lo, e dar-lhe espaço para se arrepender. Mas, ao invés de fazer o melhor
em troca de sua paciência, você fez o pior, ao invés de ser quebrantado por
isso, você foi endurecido, e se tornou mais ousado no pecado. Ec 8:11: “Visto como se não executa
logo a sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está
inteiramente disposto a praticar o mal.” Você foi culpado de desprezar
as riquezas de Sua bondade, e tolerância e paciência ao invés de ser levado ao
arrependimento por elas. Você não pode viver um só dia sem que Deus o mantenha
e sustente; não pode dar um suspiro, ou viver um momento, a menos que Deus o sustente,
pois a sua respiração está nas Suas mãos, e Ele preserva a sua alma com vida, e
Sua visitação preserva o seu espírito. Mas, que graças Deus recebeu por isso,
uma vez que você, ao invés de se voltar para Ele, apenas tornou-se mais
plenamente consolidado e terrivelmente endurecido nos caminhos do pecado? Como
seria justo, portanto, se a paciência de Deus se acabasse, e ele cessasse de
ainda tolerar você.
Você não apenas abusou de Sua
paciência passada, mas também abusou de Suas intenções de paciência futura. Tem
se gabado de que a morte não está próxima, e que deve viver muito tempo no
mundo, e isto o tornou ainda mais abundantemente ousado no pecado. Portanto,
uma vez que esse foi o uso que fez da esperança de ter sua vida preservada,
como seria justo se Deus desapontasse sua expectativa, e lhe cortasse dessa
longa vida de que você se gaba, e em cujos pensamentos se encoraja no pecado
contra Ele! Como seria justo se sua respiração fosse em breve cortada, e isso
repentinamente, quando menos pensasse, e você fosse levado na sua impiedade!
Enquanto vive no pecado, nada
faz senão sobrecarregar o solo, você é completamente inútil e vive em vão.
Aquele que se recusa a viver para a glória de Deus não responde ao fim da sua
criação, e vive para quê? Deus fez os homens para servi-lo. Para este fim, lhes
deu vida; e se não devotarem suas vidas a este fim, não seria justo se Deus se
recusasse a continuar ainda com suas vidas? Ele o plantou em sua vinha, para
produzir fruto; e se você não produz, por que deveria ainda mantê-lo? Como
seria justo se o cortasse!
Enquanto você viveu, muitas
das bênçãos de Deus foram gastas com você dia após dia; você devora os frutos
da terra e consome muito de sua gordura e doçura; e tudo sem nenhum propósito
senão mantê-lo vivo para pecar contra Deus, e gastar tudo na impiedade. Toda a
criação, por assim dizer, geme por sua causa; o sol nasce e se põe para lhe dar
a luz, as nuvens derramam chuva sobre você, e a terra produz seus frutos e
labores de ano a ano para supri-lo; e você, neste meio tempo, não responde ao
fim daquele que criou todas as coisas. Como seria justo, então, se Deus o
cortasse, e o levasse embora, e libertasse a terra deste peso, para que a
criação não mais gema por sua causa, e lhe expulsasse como um ramo abominável! Lc 13:7: “Pelo que disse ao
viticultor: Há três anos venho procurar fruto nesta figueira e não acho; podes
cortá-la; para que está ela ainda ocupando inutilmente a terra?” Jo 15:2, 6: “Todo ramo que, estando
em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que
produza mais fruto ainda. Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à
semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam.”
4. Como seria justo se você
morresse no maior horror e espanto!
Com quanta frequência você
tem sido exortado a aproveitar seu tempo, construir um fundamento de paz e
conforto para o seu leito de morte; e, ainda assim, recusou-se a ouvir! Você
tem sido muitas e muitas vezes lembrado de que deve morrer, que é incerto
quando, e que não sabe a hora, e foi-lhe dito quão vis e insignificantes todos
os seus prazeres terrenos então parecerão, e como serão incapazes de lhe dar
qualquer conforto no seu leito de morte. Você tem sido alertado sempre
sobre como é terrível estar em um leito de morte num estado sem Cristo, nada
tendo para lhe confortar senão os prazeres mundanos. Você foi, com frequência,
conscientizado do tormento e espanto que os pecadores, que aproveitaram mal seu
precioso tempo, estão sujeitos quando arrastados pela morte. Foi-lhe dito como
necessitaria infinitamente ter Deus como seu amigo, e ter o testemunho de uma
boa consciência, e uma esperança bem fundamentada de bem-aventurança futura. E
com que frequência foi exortado a ter o cuidado de prover contra este dia, e
entesourar nos céus, para que possa ter algo em que depender quando partir
deste mundo, algo para esperar quando todas as coisas aqui falharem! Mas
lembre-se como esteve despreocupado, como foi lerdo e negligente de tempo em
tempo, quando se assentou para ouvir estas coisas, e, ainda assim,
obstinadamente recusou-se a se preparar para a morte, e não teve cuidado em
assentar um bom fundamento contra este tempo. E você não apenas foi
aconselhado, mas presenciou outros em seus leitos de morte, em temor e aflição,
ou ouviu falar deles, e não tomou aviso; sim, alguns de vocês estiveram
doentes, e ficaram temerosos de que estivessem nos seus dias finais, porém Deus
foi misericordioso, e os restaurou, mas não ficaram alertas para se prepararem
para a morte. Como seria justo então se você pudesse ser o objeto desse horror
e espanto que ouviu, quando a sua hora chegar!
E não apenas isso, mas como
você arduamente gastou seu tempo entesourando coisas para a tribulação e
angústia naquele dia! Você não foi apenas negligente em assentar um fundamento
para a paz e conforto então, mas gastou seu tempo contínua e incansavelmente
assentando um fundamento para a aflição e o horror. Como alguns de vocês
continuaram dia após dia, empilhando mais e mais culpa; mais e mais ferindo a
própria consciência, aumentando ainda a porção de tolice e impiedade para que
você mesmo venha a refletir sobre elas! Como seria justo, portanto, se essa
tribulação e angústia viesse sobre você!
5. Como é justo que você deva
sofrer a ira de Deus em outro mundo!
Porque voluntariamente
provocou e atiçou essa ira. Se não está disposto a sofrer a ira de Deus, então
por que O provocou à ira? Por que agiu como se pudesse arranjar uma maneira
para que ele não se irasse contra você? Por que desobedeceu deliberadamente a
Deus? Você sabe que a desobediência deliberada tende a provocar aquele que é
desobedecido; assim acontece com um rei, chefe ou pai terreno. Se você tem um
servo que é deliberadamente desobediente, isto provoca sua ira. E, novamente,
se não suporta a ira de Deus, por que, com tanta frequência, O despreza? Se
alguém despreza os homens, isto tende a provocá-los: quanto mais a Majestade
Infinita dos céus pode ser provocado, quando é menosprezado! Você também roubou
de Deus a sua propriedade, recusou-se a dar a Ele o que Lhe pertence. Os homens
são provocados quando são privados do que lhes é devido e quando tratados
injuriosamente; quanto mais Deus pode ser provocado quando você O rouba!
E também desprezou a bondade
de Deus para com você, e esta é a maior bondade e amor que se pode conceber.
Você tem sido supremamente ingrato e tem abusado dessa bondade. Nada provoca
mais os homens do que ter sua bondade menosprezada e abusada; quanto mais Deus
pode ser provocado quando os homens retribuem Sua misericórdia infinita apenas
com desobediência e ingratidão! Portanto, se continua a provocá-lo, e atiçar a
Sua ira, como pode esperar outra coisa, senão sofrer essa mesma ira? Se, então,
você de fato sofrer a ira de um Deus ofendido, lembre-se que é o que procurou
para si mesmo, é um fogo que você mesmo acendeu.
Você não aceitou a libertação
da ira de Deus, quando lhe foi ofertada. Quando Ele, em sua misericórdia,
enviou Seu Filho unigênito ao mundo, você se recusou a admiti-lo. Amou demais
seus pecados a ponto de abandoná-los para vir a Cristo, e por causa deles
rejeitou as ofertas de um Salvador, de forma que escolheu a morte ao invés da
vida. Após assegurar a ira para si mesmo, apegou-se a ela, e não a abandonou
pela misericórdia. Pv 8:36: “Mas
o que peca contra mim violenta a própria alma. Todos os que me aborrecem amam a
morte.”
6. Como seria justo se você
fosse entregue nãos mãos do diabo e seus anjos, para ser atormentado para
sempre, já que voluntariamente se entregou para servi-los aqui! Você os ouviu,
ao invés de ouvir a Deus. Como seria justo, então, se Deus o entregasse a eles!
Você seguiu a Satanás e aderiu aos seus interesses em oposição a Deus, e se
sujeitou a sua vontade neste mundo, ao invés de se submeter à vontade de Deus;
como seria justo então se Deus o entregasse para a vontade do diabo daqui para
frente!
7. Como seria justo se o seu
corpo fosse feito objeto do tormento do porvir, o mesmo corpo que você tornou
instrumento do pecado neste mundo! Você entregou o seu corpo como um sacrifício
para o pecado e Satanás: como seria justo então se Deus o entregasse como um
sacrifício para a ira! Você empregou seu corpo como um servo para os seus
desejos vis e odiosos. Como seria justo, portanto, se Deus, no porvir,
ressuscitasse seu corpo para ser objeto e instrumento da miséria; e para
enchê-lo tão plenamente do tormento como eles estiveram cheios do pecado!
8. Mas a maior objeção dos
ímpios contra a justiça do futuro castigo que é ameaçado por Deus advém da
grandeza desse castigo: que Deus deva infligir sobre os impenitentes tormentos
tão extremos, tão incrivelmente terríveis, ter seus corpos lançados na fornalha
de fogo de tão imenso calor e fúria, lá ficar sem se consumir, e ainda cheio de
senso e sentimento, com chamas por dentro e por fora; e a alma cheia do ainda
mais terrível horror e tormento; e assim permanecer sem remédio ou descanso
para sempre, e sempre, e sempre. Portanto, mencionar-lhe-ei algumas coisas,
para mostrar como você, com justiça, está exposto a punição tão terrível.
1. Esta punição, tão terrível
quanto seja, não é maior do que o grandioso e glorioso Ser contra quem você
pecou. É verdade que é uma punição terrível além de toda expressão e concepção,
da mesma forma que a grandeza e glória de Deus estão muito acima de toda
expressão e concepção; mas, ainda assim, você continua nos seus pecados contra
Ele, sim, tem sido ousado e presunçoso nos seus pecados, e tem multiplicado as
transgressões contra Ele infinitamente. A ira de Deus, que vocês ouviram,
terrível como é, não é mais que essa Majestade que vocês desprezaram e pisaram.
Essa punição é de fato suficiente para encher de horror alguém que meramente
pense sobre ela; e assim, se você a concebesse corretamente, ficaria cheio de
no mínimo igual horror em pensar em pecar tão grandemente contra Deus tão grandioso
e glorioso. Jr 2. 12:13: “Espantai-vos
disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o SENHOR. Porque dois
males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e
cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas.” Deus, sendo
tão infinitamente grande e excelente, não o influenciou a pecar contra Ele, mas
você o fez ousadamente, e fez pouco caso, milhares de vezes; e por que o fato
dessa miséria ser tão infinitamente grande e terrível, impediria Deus de
infligi-la sobre você? 1 Sm 2:25: “Pecando
o homem contra o próximo, Deus lhe será o árbitro; pecando, porém, contra o
SENHOR, quem intercederá por ele?”
2. Sua natureza não abomina
mais esta miséria que você ouviu, do que a natureza de Deus abomina o pecado de
que você é culpado. A natureza do homem é muito avessa à dor e ao tormento, e é
especialmente avessa a tal tormento terrível e eterno; mas, ainda assim, isso
não impede que seja justo o que é infligido, pois os homens não odeiam a
miséria mais do que Deus odeia o pecado. Deus é tão santo, e de natureza tão
pura, que tem aversão infinita ao pecado; mas, ainda assim, você menospreza o
pecado, e eles têm excessivamente se multiplicado e crescido. A consideração de
que Deus o odeia não impediu você de cometê-lo; por que, portanto, a
consideração de que você odeia a miséria deveria impedir Deus de trazê-la sobre
você? Deus representa a sim mesmo na sua Palavra como cansado e aborrecido com
os pecados dos ímpios: Is 1:14: “As
vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já
me são pesadas; estou cansado de as sofrer.” Ml 2:17: “Enfadais o SENHOR com vossas palavras; e ainda dizeis:
Em que o enfadamos? Nisto, que pensais: Qualquer que faz o mal passa por bom
aos olhos do SENHOR, e desses é que ele se agrada; ou: Onde está o Deus do
juízo?”
3. Você não se preocupou com
o quanto a honra de Deus tem sofrido; e por que Deus deveria se preocupar que a
sua miséria não fosse tão grande? Você foi alertado sobre como aquelas coisas
que praticou traziam desonra a Deus; contudo, não se importou, mas continuou a
multiplicar as transgressões. A consideração de que quanto mais você pecava,
mais Deus era desonrado, nem ao menos o restringiu. Se não fosse pelo temor do
desgosto de Deus, você não teria se importado que o desonrasse dez mil vezes
como fez. Devido à falta de respeito a Deus, você não se importou com o que
sucedeu de Sua honra, nem de sua felicidade, não, nem do Seu Ser. Por que então
Deus é obrigado a ser cuidadoso com o quanto você sofre? Por que deveria se
preocupar com o seu bem estar, ou usar qualquer precaução para que não venha a
colocar sobre você mais do que possa suportar?
4. Tão grande quanto seja
esta ira, não é maior do que o amor de Deus que você desprezou e rejeitou.
Deus, em sua infinita misericórdia pelos pecadores perdidos, forneceu um modo
para eles escaparem da miséria futura, e obterem vida eterna. Para esse fim deu
o Seu Filho unigênito, uma pessoa infinitamente gloriosa e honrada, em si mesmo
igual a Deus, e infinitamente próximo a Ele. Foi dez mil vezes mais do que se
Deus houvesse dado todos os anjos nos céus, ou o mundo inteiro pelos pecadores.
Ele o deu para se encarnar, sofrer a morte, ser feito maldição por nós, sofrer
a terrível ira de Deus em nosso lugar, e assim adquirir-nos a glória eterna.
Esta pessoa gloriosa foi ofertada a você inúmeras vezes, e ele esteve e bateu a
sua porta, até que seus cabelos ficassem úmidos com o orvalho do noite; mas
tudo o que fez não o ganhou; você não viu nele forma nem formosura, nem beleza
alguma que o agradasse. Quando ele se lhe ofertou como o seu Salvador, você
jamais o aceitou livremente e de coração. Este amor que você dessa maneira
abusou é tão grande quanto essa ira que você corre perigo. Se você o houvesse
aceitado, teria o gozo deste amor ao invés de suportar essa terrível ira:
assim, a miséria que você ouviu não é maior que o amor que você desprezou, e a
felicidade e glória que rejeitou. Como seria justo então em Deus executar essa
ira sobre você, que não é maior do que o amor que você desprezou! Hb 2:3: “como escaparemos nós, se
negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente
pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram.”
5. Se você reclama desta
punição como sendo muito grande, então por que ela não foi grande o suficiente
para o impedir de pecar? Conquanto seja grande, você fez pouco caso dela.
Quando Deus ameaçou infligi-la, você não se importou com as ameaças, mas foi
ousado em desobedecê-lo, e fazer aquelas mesmas coisas pelas quais ele ameaçou
esta punição. Grande como ela seja, não foi o suficiente para impedi-lo de
viver deliberadamente uma vida ímpia, e continuar nos caminhos que sabia que
eram maus. Quando soube que tais e tais coisas certamente o expunham a essa
punição, você não se absteve por esses relatos, mas continuou dia a dia, ainda
mais presunçoso, e Deus ameaçar tal punição não teve um efeito sobre você. Por
que, portanto, reclama agora que essa punição seja grande demais, e dispute
contra ela, dizendo que Deus não é razoável e é cruel em infligi-la? Ao dizer
assim, se condena com sua própria boca, pois se é um castigo tão terrível, mais
do que é justo, então porque não foi grande o suficiente para restringi-lo do
pecado deliberado? Lc 19:21: “Pois
tive medo de ti, que és homem rigoroso; tiras o que não puseste e ceifas o que
não semeaste. Respondeu-lhe: Servo mau, por tua própria boca te
condenarei.” Você reclama que a punição é grande demais, contudo, agiu como
se não fosse grande o suficiente, e a desprezou. Se a punição for tão grande,
por que você se esforçou para torna-la ainda maior? Pois continuou dia após dia
entesourando ira para o dia da ira, acrescentado ao seu castigo, e o aumentando
substancialmente; e ainda assim agora você reclama que seja grande demais, como
se Deus não pudesse justamente infligir castigo tão grande. Como é absurda e
contraditória a conduta de alguém que reclama de Deus por tornar o castigo
grande demais, mas dia a dia grandemente ajunta e recolhe combustível, para
tornar o fogo maior!
6. Você não tem motivo para
reclamar da punição ser injusta; pois muitas e muitas vezes provocou a Deus com
o seu pior. Se você devesse proibir um servo por fazer uma dada coisa, e o
ameaçasse de que, se a fizesse, você infligiria sobre ele uma punição terrível,
e ele, apesar disso tudo a fizesse, e você renovasse o mandamento, e o avisasse
da maneira mais estrita possível a não fazê-lo, e lhe dissesse que certamente o
puniria se persistisse, e declarasse que sua punição seria muito terrível, e
ele completamente o desprezasse, e desobedecesse novamente, e você continuasse
a repetir seus mandamentos e avisos, ainda falando do terror do castigo, e ele,
ainda sem se preocupar, continuasse e continuasse a desobedecê-lo
descaradamente e isso imediatamente após suas proibições e ameaças: você
poderia agir de outra maneira senão fazendo o que fosse mais terrível? Mas
assim você agiu com Deus; você teve seus mandamentos repetidos, e suas ameaças
postas diante de si centenas de vezes, e foi muito solenemente advertido; contudo,
apesar disso tudo, continuou nos caminhos que sabia serem pecaminosos, e fez as
exatas coisas que foram proibidas, diretamente diante de Sua face. Jó 15:25, 26: “porque estendeu a mão
contra Deus e desafiou o Todo-Poderoso; arremete contra ele obstinadamente,
atrás da grossura dos seus escudos.” Você assim invocou o desafio ao
Todo-Poderoso, mesmo quando viu a espada de sua ira vingadora desembainhada,
pronta a cair sobre sua cabeça. Seria então, uma maravilha se ele o fizesse
conhecer como é terrível essa ira, na sua completa destruição?
um recado terrível aos pecadores ,inclusive eu mesmo !
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