A CARIDADE NOS DISPÕE A FAZER O BEM
“A caridade é sofredora, é benigna.” (1 Co
13.4)
No último discurso a partir dessas palavras, foi mostrado
que a caridade, ou amor cristão, é longânima, ou seja, nos dispõe a mansamente
suportar as injúrias recebidas dos outros. Agora me proponho a mostrar que é
bondosa ou, em outras palavras,
A CARIDADE, OU UM ESPÍRITO VERDADEIRAMENTE CRISTÃO, NOS DISPORÁ A
LIVREMENTE FAZER O BEM AOS OUTROS.
Abordando esse ponto, irei (1) desvendar brevemente a
natureza do dever de fazer o bem aos outros, e (2) mostrar que um espírito
cristão nos disporá a isso.
I. Mostrarei
brevemente a natureza do dever de fazer o bem aos outros.
Aqui, três coisas devem ser consideradas: o ato, fazer o bem; os objetos, ou aqueles a quem devemos fazer o bem; e o modo pelo qual deve ser feito, isto é,
livremente.
1. O ato que é a
matéria do dever, que é fazer o bem aos outros.
Há muitas maneiras pelas quais as pessoas podem fazer o
bem às outras, e pelas quais estão obrigados a assim fazer, na medida em que
tiverem oportunidade.
Primeiro, as pessoas podem fazer o bem às almas dos outros, que é o modo mais excelente
de se fazer o bem. Os homens podem ser, e com frequência são, os instrumentos
do bem espiritual e eterno dos outros, e quando alguém assim procede é o
instrumento de maior bem a eles do que se lhes houvesse dado todas as riquezas
do universo.
Podemos fazer bem às almas dos outros esforçando-nos para
instruir os ignorantes, e conduzi-los ao conhecimento das grandes coisas da religião,
aconselhando-os e admoestando-os, animando-os ao seu dever e a um oportuno e
completo cuidado pelo bem-estar de suas almas; apresentando-lhes bons exemplos,
o que de tudo é o mais necessário e, geralmente, o meio mais eficaz de todos na
promoção do bem de suas almas. Esse exemplo deve acompanhar os outros meios de
se fazer o bem às almas dos homens, tais como a instrução, aconselhamento,
avisos e reprovações, sendo necessário para dar força a esses meios, e
torná-los eficazes. São mais promissores em torná-los efetivos do que qualquer
outra coisa, e, sem ele, é provável que aqueles outros meios sejam vãos.
Os homens podem fazer o bem às almas das pessoas
viciosas, sendo os meios no resgate deles de suas condutas viciosas; ou às
almas dos que negligenciam o santuário, persuadindo-os a irem à casa de Deus;
ou às almas dos pecadores seguros e descuidados, conscientizando-os de sua
miséria e perigo. Podem ser, assim, os instrumentos no seu despertamento, e
meios da sua conversão, e em trazê-los para o lar de Cristo. Assim, podem
pertencer ao número daqueles a respeito de quem lemos que “a muitos conduzem à justiça” (Dn 12.3) e que “resplandecerão como o fulgor do firmamento.”
Os santos também podem ser os instrumentos do conforto e
estabelecimento uns dos outros, do fortalecimento mútuo na fé e na obediência; da
vivificação, animação e edificação; do livramento mútuo das disposições débeis
e mortas, e do auxílio nas tentações, em direção à vida divina; do aconselhamento
uns dos outros em casos duvidosos e difíceis; do encorajamento mútuo sob trevas
ou em provação; e, em geral, promovendo a alegria e força espiritual uns dos
outros, sendo assim mutuamente auxiliadores na sua jornada para a glória.
Segundo, as pessoas podem fazer o bem a outras nas coisas exteriores, e relativas a este
mundo. Podem ajudar os outros nas suas dificuldades e calamidades
exteriores, pois há inúmeros tipos de calamidades temporais a que está sujeita
a humanidade, nas quais permanece em bastante necessidade de ajuda de seus
amigos e semelhantes. Muitos têm fome, ou sede, ou são estrangeiros, estão nus,
doentes, ou em prisão (Mt 25.35,36), ou sofrem de alguma outra forma. A todos
esses devemos ministrar.
Podemos fazer o bem aos outros promovendo suas condições ou
propriedades materiais [substance]
exteriores; ou apoiando seu bom nome, promovendo, assim, sua estima e aceitação
entre os homens; ou por qualquer coisa que possa verdadeiramente somar a seu
conforto e felicidade no mundo, seja na palavra bondosa, seja na obra discreta
e benevolente. Esforçando-nos, assim, para lhes fazer o bem externamente, estamos
na maior vantagem de fazer bem às suas almas; pois quando nossas instruções,
conselhos, avisos e bons exemplos são acompanhados com essa bondade exterior,
esta última tende a abrir o caminho para o melhor efeito das daqueles primeiros,
e dar-lhes sua plena força, e a levar aquelas pessoas a apreciarem nossos
esforços quando buscarmos seu bem espiritual.
Assim, podemos contribuir para o bem dos outros de três
modos: dando-lhes as coisas de que
precisam e que possuímos; fazendo por eles,
e esforçando-nos para ajudá-los e promover seu bem estar; e sofrendo por eles, auxiliando-lhes a
suportar seus fardos, fazendo tudo em nosso poder para tornar esses fardos
leves. Em cada um desses modos, o cristianismo requer que façamos o bem aos
outros. Ele requer que demos aos
outros, “dai, e
dar-se-vos-á” (Lc 6.38). Requer que façamos pelos
outros, e trabalhemos por eles: “Porque, vos recordais, irmãos, do nosso labor e fadiga; e
de como, noite e dia labutando para não vivermos à custa de nenhum de vós, vos
proclamamos o evangelho de Deus.” (1 Ts 2.9) e : “Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso
trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e
ainda servis aos santos.” (Hb 6.10) E requer de nós que, se for necessário, soframos pelos outros: “Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis
a lei de Cristo.” (Gl 6.2) E: “Nisto
conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida
pelos irmãos.” (1 Jo 3.16) De modo que, de todas essas maneiras, as Escrituras requerem
que façamos o bem a todos. Passo então a falar,
2. Dos objetos
deste ato, ou daqueles a quem devemos fazer o bem.
As Escrituras com frequência referem-se a eles pela
expressão “nosso próximo”, pois o dever diante de nós é implicado no mandamento
de que amemos nosso próximo como a nós mesmos. Mas aqui, talvez, estejamos
apressados a, como o jovem advogado que veio a Cristo (Lc 10.29), perguntar:
“Quem é nosso próximo?” E assim como a resposta de Cristo lhe ensinou que o
samaritano era próximo dos judeus, embora os samaritanos e judeus estimassem
uns aos outros como vis e malditos, e como amargos inimigos, também podemos ser
ensinados sobre quem são aqueles a quem devemos fazer o bem, em três aspectos:
Primeiro, devemos fazer o bem tanto ao bom quanto ao mau. Isso devemos fazer, se quisermos imitar nosso Pai celeste,
pois “ele faz nascer o seu sol sobre
maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos.” (Mt 5.45) O mundo está cheio de tipos
variados de pessoas, algumas boas, outras más; devemos fazer o bem a todas.
Devemos, na realidade, em especial, “fazer o bem aos da família da fé”, ou que
tenhamos razão, no exercício da caridade, de reputar como santos. Mas, ainda
que devamos abundar no exercício da beneficência a eles, o bem que fazemos não
deve ser confinado a eles, mas devemos fazer o bem a todos os homens, quando
tivermos oportunidade.
Enquanto vivermos neste mundo, devemos esperar encontrar
alguns homens de qualidade muito más, e de inclinações e práticas odiosas. Alguns
são orgulhosos, outros imorais, invejosos, profanos, injustos ou severos, e
alguns desprezam a Deus. Mas quaisquer uma ou todas essas más qualidades não
deve impedir nossa beneficência, ou prevenir que lhes façamos o bem enquanto tivermos
oportunidade. Por esse exato motivo é que devemos, ao contrário, ser diligentes
em beneficiá-los, para que os ganhemos para Cristo; e em especial devemos ser
diligentes para beneficiá-los nas coisas espirituais.
Segundo, devemos fazer o bem tanto a amigos quanto a inimigos.
Somos obrigados a fazer o bem aos nossos amigos, não
apenas pela obrigação sob a qual nos encontramos de lhes fazer o bem na
condição de nossos semelhantes, e de pessoas feitas à imagem de Deus, mas pela
obrigação da amizade, gratidão e da afeição que lhes devotamos. Também somos
obrigados a fazer o bem aos nossos inimigos, pois nosso Salvador diz: “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem.” (Mt 5.44) Fazer o bem aos que nos prejudicam é a única retaliação que incumbe
a nós, como cristãos, pois somos ensinados a “Não tornar a ninguém mal por mal” (Rm 12.17) mas, ao contrário, “a
vencer o mal com o bem” (Rm 12.20); e novamente está escrito: “Evitai que alguém retribua a outrem mal por mal;
pelo contrário, segui sempre o bem entre vós e para com todos;” (1 Te 5.15) e
ainda: “não pagando mal por mal ou
injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo, pois para isto mesmo fostes
chamados, a fim de receberdes bênção por herança.” (1 Pe 3.9)
Terceiro, devemos fazer o bem tanto aos agradecidos quanto aos ingratos . A isso somos obrigados pelo exemplo de nosso Pai celeste, pois
ele “é benigno até para com os
ingratos e maus.” (Lc 6.35) E o mandamento é que, “sede misericordiosos, como ele é
misericordioso”. Muitos fazem objeção a fazermos o bem aos outros, dizendo: “Se
eu fizer, jamais me agradecerão; pela minha bondade, me recompensarão com abuso
e injúria.” Assim, estão prontos a se escusarem do exercício da bondade, especialmente
àqueles que podem ter se lhes mostrado ingratos. Mas essas pessoas não olham o
suficiente para Cristo, e, ou mostram sua falta de familiaridade com os
preceitos do cristianismo, ou sua indisposição de acalentar seu espírito.
Tendo assim falado do dever de fazer o bem, e das pessoas
a quem devemos fazê-lo, passo, como proposto, a falar,
3. Da maneira pela
qual devemos fazer o bem aos outros. Ela está expressa na única palavra “livremente.” Isso parece estar implicado
nas palavras do texto; pois ser bondoso é ter disposição para livremente fazer
o bem. Qualquer bem que seja feito, não há propriamente bondade no seu autor, a
menos que seja feito livremente. E fazer o bem livremente implica três coisas:
Primeiro, que a nossa prática do bem não seja em um espírito mercenário. Não
devemos fazê-lo por causa de qualquer recompensa recebida ou esperada daquele a
quem fazemos o bem. O mandamento é: “Fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga.” (Lc 6.35)
Frequentemente, os homens farão o bem aos outros esperando receber o mesmo
tanto novamente; mas devemos fazer o bem aos pobres e necessitados, de quem
nada podemos esperar em retorno. O mandamento de Cristo é: “Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os
teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem vizinhos ricos; para não
suceder que eles, por sua vez, te convidem e sejas recompensado. Antes, ao
dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e
serás bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que recompensar-te; a tua
recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição dos justos.” (Lc 14.12-14).
Para que a nossa prática do bem seja livre, e não
mercenária, é necessário que o que fazemos seja feito não por causa de qualquer
bem temporal, ou para promover nosso interesse temporal, ou honra, ou lucro,
mas devido ao espírito de amor.
Segundo, que a nossa prática do bem seja livre é
requisito para que o façamos alegre ou sinceramente, e com verdadeira boa
vontade para com aquele que beneficiaremos. O que é feito sinceramente, é feito
pelo amor; e o que é feito pelo amor, é feito com prazer, e não com murmuração
ou má vontade e relutância de espírito. “Sede hospitaleiros”, diz o apóstolo (1
Pe 4.9), “sem murmuração”. E Paulo diz: “Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não
com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem dá com alegria.” (2 Co 9.7) Esse
requisito ou qualificação na nossa prática do bem é bastante insistido nas
Escrituras. “O que contribui,” diz o apóstolo “faça
com liberalidade; o que preside,
com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria.” (Rm 12.8) E Deus dá uma responsabilidade
estrita: “Não seja maligno
o teu coração, quando lho deres.” (Dt 15.10) E, em uma palavra, a própria ideia de dar de
boa vontade é apresentada por toda a Bíblia como implicando que demos com um
espírito cordial e alegre. Dar livremente também implica,
Terceiro, que o façamos liberal e abundantemente. Não devemos ser escassos e poupadores em
nossas dádivas ou esforços, mas devemos ter os corações e as mãos abertas.
Devemos “abundar em toda boa obra” (2 Co 9.8,11), “enriquecendo-vos, em tudo,
para toda generosidade”. Assim, Deus requer que quando dermos ao pobre, devamos
“lhe abrir de todo a mão.” (Dt 15.8) E nos é dito que “a alma generosa prosperará.” (Pv 11.25) O apóstolo queria que os
coríntios fossem abundantes em suas contribuições aos santos pobre na Judeia,
assegurando-lhes que “aquele
que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura com
abundância também ceifará.” (2 Co 9.6)
Tendo assim explicado a natureza deste dever de
livremente fazer o bem aos outros, prossigo agora para mostrar,
II. Que um espírito
cristão nos disporá a assim fazer o bem aos outros. E isso aparece a partir
de duas considerações:
1. A coisa
principal naquele amor, que é a soma do espírito cristão, é a benevolência ou a
boa vontade com os outros. Já vimos o que é o amor cristão, e como é variadamente
denominado de acordo com seus vários objetos e exercícios; e particularmente como, uma vez que diz respeito ao bem desfrutado,
ou a ser desfrutado pelo objeto
amado, é chamado o amor de benevolência,
e, no que diz respeito ao bem a ser desfrutado no objeto amado é chamado de amor de complacência. O amor de benevolência é aquela disposição que nos
leva a ter desejo, ou prazer no bem do outro; e essa é a coisa principal no
amor cristão; com efeito, é a coisa mais essencial nele, e aquilo pelo qual
nosso amor é em grande parte uma imitação do amor e da graça eterna de Deus, e
do amor sacrificial de Cristo, que consiste na benevolência ou boa vontade aos homens, como foi cantado pelos anjos no
seu nascimento (Lc 2.14). De modo que a coisa principal no amor cristão é a boa
vontade, ou uma disposição para se deleitar e buscar o bem daqueles que são objetos
desse amor.
2. A evidência mais
natural e conclusiva de que tal princípio é verdadeiro e sincero é que seja
eficaz. A evidência mais natural e conclusiva de nosso desejo ou disposição
em fazer o bem aos outros é quando o fazemos. Em cada caso, nada pode ser mais
claro do que o fato de que a natural e conclusiva evidência da vontade é a ação;
e a ação sempre segue a vontade, onde há poder para agir. A evidência natural e
conclusiva de que um homem sinceramente deseja o bem de outro é que ele o busca
na sua prática: pois tudo o que verdadeiramente desejamos, realmente assim
buscamos. As Escrituras, portanto, falam de fazer o bem, como a evidência
própria e plena do amor; e elas com frequência falam de amar em obras ou
práticas, como sendo equivalente a amar em verdade e realidade: “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua,
mas de fato e de verdade. E nisto conheceremos que somos da verdade,” isto é, saberemos
que somos sinceros. E novamente: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e
necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em
paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o
corpo, qual é o proveito disso?” (Tg 2.15-16) Não há proveito algum para eles, logo, não
há nenhuma evidência de sinceridade de sua parte, e que você realmente deseje
que sejam vestidos e alimentados. Sinceridade de desejo levaria não meramente à
palavras, mas a atos de benevolência.
APLICAÇÃO
Na aplicação desse assunto, concluindo, podemos usá-lo,
1. Como reprovação.
Se um espírito verdadeiramente cristão dispõe as pessoas
a fazer o bem livremente às outras, então todos que são de espírito e prática contrários
podem ser reprovados. Um espírito maligno e malicioso é o exato oposto disso,
pois dispõe os homens a fazer o mal aos outros, e não o bem. E, do mesmo modo,
é um espírito difícil e egoísta, pelo qual os homens estão totalmente
inclinados a seus próprios interesses, e totalmente indispostos a renunciar a
seus próprios fins por causa dos outros.
Também são de um espírito e prática muito opostos ao
espírito de amor aqueles que exibem um ânimo exorbitantemente ganancioso e avarento,
e que aproveitam toda oportunidade para obter tudo que puderem de seus conhecidos,
ao lidarem com eles. Pedem-lhes pelo que fizeram ou lhes venderam mais do que
verdadeiramente merecem, e achacam-nos ao máximo com suas demandas
exorbitantes. Não se preocupam em avaliar a coisa para seus conhecidos, mas,
por assim dizer, forçam-nas para que possam obter o máximo dela. E os que fazem
essas coisas, em geral são muito egoístas também ao comprar dos outros, reduzindo
e comprimindo até os menores preços, e se opondo a pagar pela coisa seu preço
justo.
Esse espírito e prática são muito opostos ao espírito
cristão, e são severamente reprovados pela grande lei do amor, isto é, que
façamos aos outros como queremos que nos façam.
O assunto que estamos considerando também,
2. Exorta a todos
ao dever de livremente fazer o bem aos outros.
Visto que este é um dever cristão, e uma virtude
apropriada ao evangelho, e para a qual o espírito cristão, se o possuímos, vai
nos dispor, procuremos, enquanto temos oportunidade, fazer o bem para as almas
e os corpos de outros, esforçando-nos para sermos uma bênção para eles no tempo
e na eternidade. Com esse propósito, estejamos dispostos a fazer, ou dar, ou
sofrer, para que possamos fazer o bem do mesmo modo a amigos e inimigos, maus e
bons, gratos e ingratos. Que nossa benevolência e beneficência sejam
universais, constantes, livres, habituais, e de acordo com as nossas oportunidades
e capacidades; pois isso é essencial à verdadeira piedade, e exigido pelos mandamentos
de Deus! E aqui várias coisas devem ser consideradas:
Em primeiro lugar, que grande honra é ser feito um instrumento
do bem no mundo. Quando enchemos nossas vidas com a prática do bem, Deus coloca
sobre nós a alta honra de nos tornar uma bênção para o mundo - uma honra, como
a que colocou sobre Abraão, quando disse: “De
ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu
uma bênção!” (Gênesis 12:2) A própria luz da natureza ensina que esta é uma grande honra.
Portanto, os reis e governantes do Oriente costumavam assumir para si o título
de benfeitores, ou seja, “executores do bem”, como o mais honrado que podiam conceber
(Lucas 22:25). Era uma coisa comum em terras pagãs, quando aqueles que tinham
feito uma grande porção de bem em sua vida morriam, que os povos entre os quais
habitavam os reputassem como deuses, e
construíssem templos em sua honra e para o seu culto. Até onde Deus faz os
homens os instrumentos de fazer o bem para os outros, ele os torna como os
corpos celestes - o sol, a lua e as estrelas, que abençoam o mundo através do
derramamento da sua luz; ele os faz como os anjos, que são espíritos
ministradores para os outros, para o bem deles. Sim, os faz como ele mesmo, a
grande fonte de todo o bem, que está sempre derramando suas bênçãos sobre a
humanidade.
Em segundo lugar, fazer livremente
o bem para os outros, é tão somente fazer
a eles o que gostaríamos que fizessem a nós. Se outros têm um boa vontade
sincera para conosco, e nos mostram uma grande quantidade de bondade, e estão
prontos para nos ajudar quando estamos em necessidade, e com esse propósito são
livres para fazer, ou dar, ou sofrer por nós, e suportar nossos fardos, e sentir
por nós em nossas calamidades, e são calorosos e liberais em tudo isso, nós
muito grandemente aprovamos o seu espírito e conduta. E não apenas aprovamos,
mas grandemente recomendamos, e, talvez, aproveitemos as ocasiões para falar
bem dessas pessoas, nunca pensando, no entanto, que ultrapassaram o seu dever,
mas que agem como deveriam fazer. Lembremos-nos, então, que, se isso é tão
nobre e digno de ser elogiado em outros quando somos seus objetos, então
devemos fazer o mesmo para eles, e para todos. O que nós assim aprovamos devemos
exemplificar em nossa própria conduta.
Em terceiro lugar, consideremos como Deus e Cristo têm sido bons para nós,
e quanto bem recebemos deles. A sua bondade nas coisas concernentes a este
mundo tem sido muito grande. As misericórdias divinas se renovam para nós todas
as manhãs e todas as noites: são tão incessantes como o nosso ser. E coisas
boas ainda maiores Deus concedeu para o nosso bem espiritual e eterno. Deu-nos
o que é de mais valor do que todos os reinos da terra. Deu o seu Filho
unigênito e bem-amado - o maior presente que poderia dar. E Cristo não apenas
fez, mas sofreu grandes coisas, e deu a si mesmo para morrer por nós; e tudo
livremente, sem murmuração, ou esperança de recompensa. “Sendo rico,” com todas as riquezas do universo, “se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua
pobreza, vos tornásseis ricos.” (2 Cor. 8:9). E que grandes coisas Deus tem feito para
os que dentre nós são convertidos, e foram trazidos para o lar de Cristo; libertando-nos
do pecado, justificando-nos e santificando-nos, fazendo-nos reis e sacerdotes
para Deus e nos dando um direito “a uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada
nos céus para vós outros.” (1 Pe 1:4). E tudo isso, quando não éramos bons, mas maus
e ingratos, e merecíamos em nós mesmos apenas a ira.
Em quarto lugar, vamos considerar
que grandes recompensas são prometidas àqueles
que livremente fazem o bem aos outros. Deus prometeu que para “com o benigno, benigno te mostras” (Sl 18:25); e
não há praticamente qualquer dever mencionado em toda a Bíblia, que tenha tantas
promessas de recompensa como este, seja para este mundo ou o mundo porvir.
Para este mundo, como nosso Salvador declara: “Mais bem-aventurado é dar que receber.” (Atos 20:35)
Aquele que dá generosamente é mais abençoado nos dons abundantes de que ele compartilha,
do que aquele que recebe a recompensa . O que é oferecido ao fazer o bem aos
outros não é perdido, como se tivesse sido atirado ao mar. É, antes, como nos diz Salomão (Eclesiastes 11:1), como a semente
que os orientais plantam espalhando-a pelas águas quando vêm as enchentes, a
qual afunda até o leito, e lá se enraíza, e germina, e depois é encontrada novamente,
em abundante colheita. O que assim é dado, é emprestado ao Senhor (Pv 19:17), e o
que temos, portanto, lhe emprestado, ele vai nos pagar novamente. E não somente
irá pagar, mas vai aumentar muito o seu valor. Porque, se damos, é declarado
(Lucas 6:38), que “de boa medida,
recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão” Na verdade, essa
é a maneira de aumentar; pois é dito (Pv 11:24.) “A quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais e mais;
ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á em pura perda”, e novamente (Isaías 32: 8) “o liberal projeta coisas liberais, e pela liberalidade está
em pé.”
Até mesmo o que os homens não regenerados dão dessa
forma, Deus muitas vezes parece recompensar com grandes bênçãos temporais. Sua
própria declaração é (Pro 28:27.), que “o
que dá ao pobre não terá falta,” e a promessa não se restringe aos santos: e nossa
observação da providência mostra que os presentes dos homens para os pobres são
quase sempre recompensados por Deus, como a semente que semeiam no campo. É
fácil para Deus compensar, e mais do que compensar a nós todos para que, assim,
doemos para o bem dos outros. É sobre esse tipo de doação, que o apóstolo diz
aos coríntios (2 Co 9:6-8), que “o que semeia com abundância, com abundância
ceifará”, acrescentando que “Deus ama ao que dá com alegria”, e que ele “pode
fazer-vos abundar em toda graça”, isto é, fazer com que todos as suas dádivas
abundem para si mesmos.
Muitas pessoas pouco consideram o quanto a sua
prosperidade depende da providência. E, no entanto, mesmo para este mundo, é “a
bênção de Deus que enriquece” (Pv 10:22.); e daquele que tem consideração pelo
pobre, está escrito (Sl. 41:1), que “o Senhor o livrará no dia do mal.” E se
dermos da forma e com o espírito da caridade cristã, devemos, portanto, ajuntar
tesouros no céu, e receber finalmente as recompensas da eternidade. Isso é aquele
entesourar que não falha, do qual Cristo fala (Lucas 0:33), e, com relação ao
qual declara (Lucas 14:13, 14) que, apesar de os pobres a quem beneficiamos não
poderem nos recompensar, “seremos recompensados na ressurreição dos justos”
Esta, então, é a melhor maneira de dispor para nós mesmos
no tempo ou para a eternidade. É a melhor maneira de dispor para nós mesmos, e
a melhor maneira de dispor para nossa posteridade; pois do homem bom, que
mostra favor e empresta, está escrito (Sl. 112) que “o seu poder se exaltará em
glória”, e que “a sua
descendência será poderosa na terra; será abençoada a geração dos justos. Na
sua casa há prosperidade e riqueza, e a sua justiça permanece para sempre.” E quando Cristo
vier para o julgamento, e todas as pessoas forem reunidas diante dele, em seguida,
para aqueles que foram gentis e benevolentes, no verdadeiro espírito do amor
cristão, para com os sofredores e pobres, deve dizer (Mat. 25: 34-36, 40): “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do
reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me
destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me
hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e
fostes ver-me.” “Em verdade vos afirmo que, sempre
que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário