Como
poderia uma criatura ser mais miserável do que estando separada de seu Criador,
e não ter um Deus a quem possa chamar de seu? É miserável, de fato, aquele que
vagueia pelo mundo, sem um Deus para velar por si, e ser seu guia e protetor, e
abençoá-lo nos seus afazeres. A própria luz da natureza ensina que o Deus de um
homem é seu tudo. Jz 18. 24: “Os deuses que eu fiz me tomastes; que mais me
resta?” Não há senão um Deus, e não têm direito algum a Ele. Estão sem aquele
Deus, cuja vontade deve determinar sua inteira existência, tanto aqui quanto na
eternidade. Que os não convertidos estão sem Deus mostra que estão sujeitos a
todo tipo de mal. Estão sujeito ao poder do diabo, ao poder de todo tipo de
tentação, pois não têm Deus para protegê-los. Estão sujeitos a ser seduzidos e
enganados pelas opiniões errôneas, e a abraçarem doutrinas condenadas. Não é
possível enganar os santos desta maneira. Mas os não convertidos podem ser
enganados. Podem tornar-se papistas, ou pagãos ou ateus. Nada que tenham pode
livrá-los disso. Estão sujeitos a ser entregues à dureza judicial de Deus no
coração. Eles a merecem, e, uma vez que Deus não é o seu Deus, não têm certeza
se não lhes aplicará esse terrível julgamento. Como estão sem Deus no mundo,
estão sujeitos a cometer todo tipo de pecado, e, até mesmo, o pecado
imperdoável. Não podem ter certeza se não vão cometê-lo. Estão sujeitos a
construir uma falsa esperança do céu, e, com essa esperança, irem ao inferno.
Estão sujeitos a morrer insensíveis e estúpidos, como muitos morrem. Estão
sujeitos a morrer da mesma maneira que morreram Judas e Saul, sem temor do
inferno. Não estão seguros disso. Estão sujeitos a todo tipo de engano, uma vez
que estão sem Deus. Não podem dizer o que poderá lhes suceder, nem quando estão
seguros de qualquer coisa. Não estão seguros nem por um momento. Dez mil
enganos fatais podem recair sobre eles, e torná-los miseráveis para sempre.
Os
que têm Deus por seu Deus estão livres de tais males. Não é possível que
recaiam sobre eles. Deus é seu Deus pactual, e têm sua promessa fiel de ser seu
refúgio. Mas quantos enganos há que não possam recair sobre os não convertidos?
Quaisquer esperanças que tiverem poderão ser desapontadas. Qualquer perspectiva
ingênua que possa aparentemente haver de sua conversão e salvação, pode
desvanecer. Podem fazer grandes progressos em direção ao reino de Deus, e,
ainda assim, falhar no final. Podem parecer estar em um estado deveras
esperançoso de ser convertidos, e, ainda assim, jamais o serem. Um homem
natural não tem segurança alguma. Não está seguro de bem nenhum, nem de escapar
de qualquer mal. É, portanto, terrível a condição na qual se encontra o não convertido.
Os que estão no seu estado natural estão perdidos. Desviaram-se de Deus, e são
como ovelhas perdidas, que se desviaram do seu pastor. São pobres criaturas
desamparadas, em um deserto cheio de uivos, sem pastor para protegê-las ou
guiá-las. Estão desolados, e expostos a inúmeros enganos fatais.
2.
Estão não apenas sem Deus, mas a Sua ira permanece sobre eles. Jo 3.36: “O que,
todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele
permanece a ira de Deus.” Não há paz entre Deus e eles, mas Deus está irado com
eles, diariamente. Não está apenas irado, mas o está num grau terrível. Há um
fogo aceso na ira de Deus: ela está em chamas. A ira permanece sobre eles, que,
fosse ela executada, os lançaria no mais profundo inferno, e os tornaria
miseráveis por toda eternidade. Provocaram o Santo de Israel à ira. Deus sempre
esteve irado com eles, desde que começaram a pecar: tem sido provocado
diariamente, e mais e mais, a cada hora. A chama de sua ira está continuamente
queimando. Provocaram a Deus mais do que muitos no inferno, e com maior
frequência. Aonde quer que vão, convivem com a terrível ira de Deus sobre si.
Comem, bebem e dormem debaixo de Sua ira. Como é terrível, portanto, a condição
em que estão! É muito triste para a criatura ter a ira do seu Criador sobre si.
Essa ira de Deus é algo infinitamente terrível. A ira de um rei é como o rugido
de um leão; mas o que é a ira de um rei, que não é senão um verme do pó,
comparada à ira do Deus infinitamente grande e terrível? Como é horrível estar
debaixo da ira do Ser Primeiro, o Ser dos seres, o grande Criador e poderoso
dono dos céus e da terra! Como é terrível para uma pessoa estar debaixo da ira
de Deus, que lhe deu o ser, e em quem se move e existe, que é onipresente e sem
o qual ela não pode dar um passo, nem um suspiro! Os não convertidos, além de
estarem debaixo de ira, estão debaixo de maldição. A ira e a maldição de Deus
estão continuamente sobre eles. Não podem ter um conforto razoável, portanto,
em qualquer de suas diversões, pois nada sabem, senão que elas lhes são dadas
em ira, e serão amaldiçoados por elas, e não abençoados. Como é dito em Jó
18.15: “Espalhar-se-á enxofre sobre a sua habitação.” Como podem, então, ter
algum conforto em suas refeições, ou posses, quando nada sabem senão que isso
lhes é dado para prepará-los para a execução?
II. O
estado relativo deles se mostrará terrível, se considerarmos como estão
relacionados ao diabo.
1. Os
que estão em um estado natural são filhos do diabo. Assim como os santos são
filhos de Deus, os ímpios são filhos do diabo. 1 Jo 3.10: “Nisto são manifestos
os filhos de Deus e os filhos do diabo” Mt 13.38, 39: “o campo é o mundo; a boa
semente são os filhos do reino; o joio são os filhos do maligno; o inimigo que
o semeou é o diabo.” Jo 8.44: “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis
satisfazer-lhe os desejos.” São, por assim dizer, descendência do diabo;
procedem dele. 1 Jo 3.8: “Aquele que pratica o pecado procede do diabo.” Assim
como Adão gerou um filho à sua semelhança, os ímpios são à imagem e semelhança
do diabo. Eles reconhecem esta relação, e se consideram filhos do diabo,
consentindo que ele seja seu pai. Sujeitam-se a ele, ouvem os seus conselhos,
como os filhos ouvem os conselhos de um pai. Ele os ensina a imitá-lo, e a fazer
como ele faz, assim como as crianças aprendem a imitar seus pais. Jo 8.38: “Eu
falo das coisas que vi junto de meu Pai; vós, porém, fazeis o que vistes em
vosso pai.” Como é terrível este estado! Como é horrível ser um filho do diabo,
o espírito das trevas, o príncipe do inferno, esse ímpio, maligno e cruel
espírito! Ter alguma relação com ele é muito terrível. Seria considerado algo
medonho, assustador, o mero encontro com o diabo, aparecer ele em uma forma
visível para alguém. Como é terrível, então, ser seu filho; como é assustador
para qualquer pessoa ter o diabo por seu pai!
2.
Eles são cativos e servos do diabo. O homem, antes da queda, estava em um
estado de liberdade; mas, agora, caiu nas mãos de satanás. O diabo foi
vitorioso, e o tomou cativo. Os homens naturais estão em posse de satanás, e
estão sob seu domínio. São conduzidos por ele em sujeição a sua vontade,
para seguirem suas instruções, e fazerem o que ele ordena. 2 Tm 2. 16: “Tendo
sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade.” O diabo governa
sobre os ímpios. São todos seus escravos, e o servem com trabalhos forçados.
Isto mostra que sua condição é terrível. Os homens consideram um estado de vida
infeliz ser um escravo; e, especialmente, ser escravo de um senhor mau, de
alguém que seja duro, implacável e cruel. Quão miseráveis consideramos aqueles
que caíram nas mãos dos turcos, ou outras nações bárbaras semelhantes, sendo
destinados a mais baixa e cruel escravidão, e tratados pior do que o gado! Mas
o que é ser tomado cativo pelo diabo, o príncipe do inferno, e ser escravo
dele? Não seria melhor ser escravo de qualquer um na terra a ser seu escravo? O
diabo é, de todos os senhores, o mais cruel, e trata os seus servos da pior
maneira. Coloca-os na realização dos mais vis serviços, os mais desonrosos no
mundo. Nada é mais desonroso que a prática do pecado. O diabo põe seus servos
para realizar obras que os degrada abaixo da dignidade da natureza humana.
Devem tornar-se semelhantes às feras para fazer esse serviço e servir às suas concupiscências
imundas. E, além da vileza do trabalho, é um trabalho árduo. O diabo os
escraviza às custas de sua própria paz de consciência, e, com frequencia, às
custas de suas reputações, de suas posses, e encurtando seus dias. O diabo é um
senhor cruel, pois o serviço a que submete seus escravos os destroi. Ele os põe
em trabalhos forçados, dia e noite, para trabalharem em suas próprias ruínas.
Jamais pretende lhes recompensar por suas lidas, mas estas servem para edificar
sua destruição eterna. Serve para acumular combustível e chamas de fogo para
eles mesmos serem atormentados por toda a eternidade.
3. A
alma de um não convertido é a habitação do diabo. Ele é não apenas pai deles, e
seu chefe, mas habita neles. É terrível para um homem ter o diabo nas cercanias,
visitando-o com frequência. Mas é ainda mais terrível tê-lo habitando com um
homem, e aceitar sua habitação; e é ainda terrível tê-lo consigo, habitando no
coração. Mas é isto que ocorre com o não convertido. Ele tem o diabo habitando
no seu coração. Assim como a alma de um justo é a habitação do Espírito de
Deus, a alma de um ímpio é a habitação de espíritos imundos. Assim como a alma
de um justo é o templo de Deus, a alma do ímpio é a sinagoga de
Satanás. Ela é chamada na Escritura de casa de Satanás, e palácio de
Satanás. Mt 12:27: “Ou como pode alguém entrar na casa do valente”, querendo
dizer, o diabo. E Lc 11:21: “Quando o valente, bem armado, guarda a sua própria
casa, ficam em segurança todos os seus bens.” Satanás não apenas vive, mas reina,
no coração do ímpio. Não apenas fez sua morada lá, mas estabeleceu seu trono. O
coração de um ímpio é lugar de encontro do diabo. As portas do seu coração
estão abertas aos demônios. Têm livre acesso a ele, embora esteja fechado para
Deus e Jesus Cristo. Há muitos demônios, sem dúvidas, que se relacionam com um
ímpio, e seu coração é lugar de encontro deles. A alma de um ímpio é,
como se diz da Babilônia, a habitação dos demônios, e a casa de todo espírito
imundo, e um ninho de toda ave imunda e odiosa. Assim, terrível é a condição de
um homem natural por causa da relação em que ele está com o diabo.
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