quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O LIVRE ARBÍTRIO - Seção 2

SEÇÃO 2
Quanto à determinação da vontade
Por determinar a vontade, se a expressão for usada com algum sentido, deve ser entendido o fazer com que o ato da vontade ou escolha seja desta e não daquela maneira. Diz-se que a vontade é determinada quando, em consequência de alguma ação ou influência, sua escolha é dirigida a ou fixada sobre um objeto particular. Desse modo, quando falamos da determinação do movimento, temos em mente o fazer com que o movimento de um corpo seja em tal direção ao invés de em outra.
A determinação da vontade supõe um efeito que deve ter uma causa. Se a vontade for determinada, há um determinador. Deve-se supor que esse seja o caso mesmo com relação àqueles que dizem que a vontade determina a si mesma. Se isso ocorrer, a vontade é tanto a determinadora quanto a determinada. É uma causa que age e produz efeitos sobre si mesma e é o objeto de sua própria influência e ação.
Com respeito àquela grande inquirição: “O que determina a vontade?”, seria muito tedioso e desnecessário, no momento, examinar todas as variadas opiniões que têm sido apresentadas com relação a esse assunto. Também não é necessário que eu entre em uma discussão particular de todos os pontos debatidos nas disputas sobre esta outra questão: “Por acaso a vontade segue sempre o ultimo ditame do entendimento?” É o suficiente para o meu presente propósito dizer que o motivo que, como se apresenta à consideração da mente, for o mais forte, é o que determina a vontade. Mas pode ser necessário que eu explique um pouco o que quero dizer.
Por motivo quero dizer o todo daquilo que move, estimula ou convida a mente à volição, quer seja uma coisa isolada ou muitas coisas conjuntamente. Muitas coisas específicas podem concorrer e unir suas forças para induzir a mente, e, quando isso ocorre, todas elas juntas são como um motivo complexo. E quando falo do motivo mais forte, tenho em mente a força do todo que opera para induzir um ato particular de volição, quer seja a força de uma coisa isolada ou de muitas coisas juntas.
O que quer que seja objetivamente um motivo, nesse sentido, deve ser algo que existe na visão ou apreensão do entendimento, ou da faculdade perceptiva. Nada pode induzir ou convidar a mente a querer ou agir sobre algo, a menos que seja percebido ou esteja de uma forma ou outra na visão da mente. Pois aquilo que é totalmente imperceptível e está perfeitamente fora da vista da mente não pode afetá-la de forma alguma. É muito evidente que nada está na mente ou a alcança, ou se apossa de qualquer parte dela, de alguma outra maneira que não seja pela percepção ou pelo pensamento.
E penso que todos devem concordar que tudo o que é propriamente chamado um motivo, estímulo ou indução a um agente perceptivo e volitivo tem algum tipo e grau de tendência ou vantagem para mover ou estimular a vontade, prévio ao efeito ou ao ato da vontade estimulada. Essa tendência prévia do motivo é o que eu chamo de a sua força. Aquele motivo que tem um menor grau de vantagem prévia ou tendência para mover a vontade, ou que parece menos convidativo na maneira como se apresenta à vista da mente, é o que chamo de um motivo mais fraco. Ao contrário, aquele que parece mais convidativo e tem, pelo que o entendimento ou apreensão atribui a ele, o maior grau ou tendência prévia a estimular e induzir a escolha é o que chamo de motivo mais forte. E, nesse sentido, suponho que a vontade é sempre determinada pelo motivo mais forte.
As coisas que estão ao alcance da vista da mente têm sua tendência ou vantagem para mover ou estimular a vontade devido a muitas fatores pertencentes à natureza e circunstâncias da coisa observada, à natureza e circunstâncias da mente que vê e ao grau e maneira da vista. Essas coisas talvez sejam difíceis de ser perfeitamente enumeradas. Mas penso que pode ser suficientemente determinado, de maneira geral, sem espaço para controvérsia, que o que é percebido ou apreendido por um agente inteligente e voluntário, que tenha a natureza e influência de um motivo para a volição ou escolha, é considerado ou visto como bom. E essa coisa não tem tendência alguma para assegurar a eleição da alma em nenhum grau maior a menos que apareça como tal. Pois dizer o contrário seria dizer que as coisas que surgem [diante da mente] têm uma tendência, pela aparição que fazem, de obrigar a mente a escolhê-las, de alguma outra forma que não seja aparecendo como elegíveis para ela, o que é absurdo. Portanto deve ser verdade, em algum sentido, que a vontade sempre é como o maior bem aparente é. Mas, apenas para o correto entendimento disso, duas coisas devem ser bem e distintamente observadas.
1. Deve ser observado em que sentido uso o termo “bom”, isto é, com o mesmo significado de “agradável” [agreeable]. Parecer bom para a mente, como uso a frase, é o mesmo que parecer agradável ou aprazível à mente. Certamente nada que seja considerado mau e desagradável parece convidativo e elegível para a mente, ou tende a atrair sua inclinação e escolha; e nem, de fato, nada que seja indiferente, nem agradável nem desagradável. Mas se tende a atrair a inclinação e mover a vontade deve estar sob a noção daquilo que se acomoda à mente. Portanto, aquilo que, como se mostra à vista da mente, acomoda-se mais a ela e mais lhe agrada deve ter a maior tendência de atrai-la e ativá-la. Nesse sentido, é o maior bem aparente: dizer o contrário está, no mínimo, um pouco próximo de uma contradição direta e clara.
A palavra “bom”, nesse sentido, inclui em seu significado a remoção ou prevenção do mal ou daquilo que é desagradável e penoso. É agradável e aprazível evitar o que é desagradável e desfavorável, e ter o mal-estar removido. De modo que aqui se inclui aquilo que Locke supõe determinar a vontade. Pois quando ele fala de “mal-estar” [uneasiness] como o que determina a vontade, deve-se entendê-lo como que supondo que o fim ou propósito que governa a volição ou ato da preferência é a prevenção ou remoção desse mal-estar, e isso é a mesma coisa que escolher e buscar o que é mais tranquilo e agradável.
2. Quando digo que a vontade é conforme o maior bem aparente, ou (como expliquei) que a volição sempre tem por seu objeto a coisa que parece mais agradável, deve ser cuidadosamente observado, para evitar confusão e objeção desnecessária, que falo do objeto direto e imediato do ato da volição e não de algum objeto ao qual o ato da vontade tenha apenas um relação indireta e remota. Muitos atos de volição têm alguma relação remota a um objeto que é diferente da coisa que mais imediatamente se quer e se escolhe. Assim, quando um bêbado tem diante de si a bebida e tem que escolher se vai bebê-la ou não, os objetos próprios e imediatos, em relação aos quais sua volição interage no momento e entre os quais sua vontade agora decide, são seus próprios atos de tomar a bebida ou deixá-la de lado. E isso certamente será feito de acordo com o que, na presente visão de sua mente, tomada no seu todo, lhe é mais agradável. Se escolhe bebê-la e não deixá-la de lado, então essa ação, na maneira como aparece à vista de sua mente, com tudo o que pertence à sua aparência lá, é mais agradável e aprazível do que deixar a bebida de lado.

Mas os objetos aos quais esse ato da volição pode relacionar-se mais remotamente e entre os quais sua escolha pode determinar mais indiretamente são o presente prazer que o homem espera pela bebida e a miséria futura, que julga será a consequência dela. Ele pode julgar que essa miséria futura, quando vier, será mais desagradável e incômoda do que refrear-se da bebida agora o seria. Mas essas duas coisas não são os objetos próprios com os quais o ato da volição interage mais de perto. Pois o referido ato da vontade está preocupado com o presente ato de beber ou abster-se de beber. Se ele escolhe beber, então beber é o objeto próprio do ato de sua vontade, e beber, por algum motivo ou outro, agora lhe parece o mais agradável e o mais cômodo. Se escolher abster-se, então a abstenção é o objeto imediato de sua vontade e lhe é mais agradável. Se na escolha que faz na situação prefere um prazer presente a uma vantagem futura, a qual julga será maior quando vier, então um prazer presente menor lhe parece mais agradável do que uma maior vantagem distante. Se, ao contrário, uma vantagem futura é preferida, então isso lhe parece o mais agradável e o mais cômodo. Logo, ainda a volição presente é como o maior bem aparente no presente é. 
[Continua...]

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