SEÇÃO 2
Quanto à determinação da vontade
Por determinar a vontade, se a expressão for usada com
algum sentido, deve ser entendido o fazer com que o ato da vontade ou escolha
seja desta e não daquela maneira. Diz-se que a vontade é determinada quando, em
consequência de alguma ação ou influência, sua escolha é dirigida a ou fixada
sobre um objeto particular. Desse modo, quando falamos da determinação do
movimento, temos em mente o fazer com que o movimento de um corpo seja em tal
direção ao invés de em outra.
A determinação da vontade supõe um efeito que deve ter
uma causa. Se a vontade for determinada, há um determinador. Deve-se supor que
esse seja o caso mesmo com relação àqueles que dizem que a vontade determina a
si mesma. Se isso ocorrer, a vontade é tanto a determinadora quanto a
determinada. É uma causa que age e produz efeitos sobre si mesma e é o objeto
de sua própria influência e ação.
Com respeito àquela grande inquirição: “O que
determina a vontade?”, seria muito tedioso e desnecessário, no momento, examinar
todas as variadas opiniões que têm sido apresentadas com relação a esse
assunto. Também não é necessário que eu entre em uma discussão particular de
todos os pontos debatidos nas disputas sobre esta outra questão: “Por acaso a
vontade segue sempre o ultimo ditame do entendimento?” É o suficiente para o
meu presente propósito dizer que o motivo que, como se apresenta à
consideração da mente, for o mais forte, é o que determina a vontade. Mas pode ser
necessário que eu explique um pouco o que quero dizer.
Por motivo quero dizer o todo daquilo que move, estimula ou convida a mente à volição, quer seja uma coisa isolada ou muitas coisas
conjuntamente. Muitas coisas específicas podem concorrer e unir suas forças
para induzir a mente, e, quando isso ocorre, todas elas juntas são como um motivo complexo. E quando falo do motivo mais forte, tenho em mente a força do todo
que opera para induzir um ato particular de volição, quer seja a força de uma
coisa isolada ou de muitas coisas juntas.
O que quer que seja objetivamente um motivo, nesse
sentido, deve ser algo que existe na visão ou apreensão do entendimento,
ou da faculdade perceptiva. Nada pode induzir ou convidar a mente a querer ou
agir sobre algo, a menos que seja percebido ou esteja de uma forma ou outra
na visão da mente. Pois aquilo que é totalmente imperceptível e está perfeitamente fora
da vista da mente não pode afetá-la de forma alguma. É muito evidente que nada
está na mente ou a alcança, ou se apossa de qualquer parte dela, de alguma outra maneira que não seja pela percepção ou pelo pensamento.
E penso que todos devem concordar que tudo o que é
propriamente chamado um motivo, estímulo ou indução a um agente perceptivo e
volitivo tem algum tipo e grau de tendência ou vantagem para mover ou estimular a
vontade, prévio ao efeito ou ao ato da vontade estimulada. Essa tendência prévia
do motivo é o que eu chamo de a sua força. Aquele motivo que tem um menor grau
de vantagem prévia ou tendência para mover a vontade, ou que parece menos
convidativo na maneira como se apresenta à vista da mente, é o que chamo de um motivo mais
fraco. Ao contrário, aquele que parece mais convidativo e tem, pelo que o entendimento ou apreensão atribui a ele, o maior grau ou tendência
prévia a estimular e induzir a escolha é o que chamo de motivo mais forte. E, nesse
sentido, suponho que a vontade é sempre determinada pelo motivo mais forte.
As coisas que estão ao alcance da vista da mente têm sua
tendência ou vantagem para mover ou estimular a vontade devido a muitas fatores pertencentes à natureza e circunstâncias da coisa observada, à natureza e
circunstâncias da mente que vê e ao grau e maneira da vista. Essas coisas talvez
sejam difíceis de ser perfeitamente enumeradas. Mas penso que pode ser
suficientemente determinado, de maneira geral, sem espaço para controvérsia, que o que
é percebido ou apreendido por um agente inteligente e voluntário, que tenha a
natureza e influência de um motivo para a volição ou escolha, é considerado ou
visto como bom. E essa coisa não tem tendência alguma para assegurar a eleição da alma
em nenhum grau maior a menos que apareça como tal. Pois dizer o contrário seria
dizer que as coisas que surgem [diante da mente] têm uma tendência, pela aparição que fazem, de
obrigar a mente a escolhê-las, de alguma outra forma que não seja aparecendo
como elegíveis para ela, o que é absurdo. Portanto deve ser verdade, em algum
sentido, que a vontade sempre é como o maior bem aparente é. Mas, apenas para o
correto entendimento disso, duas coisas devem ser bem e distintamente
observadas.
1. Deve ser observado em que sentido uso o termo
“bom”, isto é, com o mesmo significado de “agradável” [agreeable]. Parecer bom para a
mente, como uso a frase, é o mesmo que parecer agradável ou aprazível à mente. Certamente
nada que seja considerado mau e desagradável parece convidativo e elegível para a mente, ou tende a atrair sua
inclinação e escolha; e nem, de
fato, nada que seja indiferente, nem agradável nem desagradável. Mas se tende a atrair a
inclinação e mover a vontade deve estar sob a noção daquilo que se acomoda à mente. Portanto, aquilo que, como se mostra à vista da mente, acomoda-se mais a
ela e mais lhe agrada deve ter a maior tendência de atrai-la e ativá-la. Nesse sentido, é o maior bem aparente: dizer o contrário está, no mínimo, um pouco próximo de uma contradição direta e clara.
A palavra “bom”, nesse sentido, inclui em seu
significado a remoção ou prevenção do mal ou daquilo que é desagradável e
penoso. É agradável e aprazível evitar o que é desagradável e desfavorável, e
ter o mal-estar removido. De modo que aqui se inclui aquilo que Locke supõe determinar
a vontade. Pois quando ele fala de “mal-estar” [uneasiness] como o que determina a vontade, deve-se entendê-lo como que supondo que o fim ou propósito que governa a volição ou ato da preferência é a
prevenção ou remoção desse mal-estar, e isso é a mesma coisa que escolher e
buscar o que é mais tranquilo e agradável.
2. Quando digo que a vontade é conforme o maior bem
aparente, ou (como expliquei) que a volição sempre tem por seu objeto a coisa
que parece mais agradável, deve ser cuidadosamente observado, para evitar
confusão e objeção desnecessária, que falo do objeto direto e imediato do ato
da volição e não de algum objeto ao qual o ato da vontade tenha apenas um
relação indireta e remota. Muitos atos de volição têm alguma relação remota a
um objeto que é diferente da coisa que mais imediatamente se quer e se escolhe. Assim,
quando um bêbado tem diante de si a bebida e tem que escolher se vai bebê-la ou
não, os objetos próprios e imediatos, em relação aos quais sua volição interage
no momento e entre os quais sua vontade agora decide, são seus próprios atos
de tomar a bebida ou deixá-la de lado. E isso certamente será feito de acordo
com o que, na presente visão de sua mente, tomada no seu todo, lhe é mais
agradável. Se escolhe bebê-la e não deixá-la de lado, então essa ação, na
maneira como aparece à vista de sua mente, com tudo o que pertence à sua
aparência lá, é mais agradável e aprazível do que deixar a bebida de lado.
Mas os objetos aos quais esse ato da volição pode
relacionar-se mais remotamente e entre os quais sua escolha pode determinar
mais indiretamente são o presente prazer que o homem espera pela bebida e a
miséria futura, que julga será a consequência dela. Ele pode julgar que essa
miséria futura, quando vier, será mais desagradável e incômoda do que
refrear-se da bebida agora o seria. Mas essas duas coisas não são os objetos
próprios com os quais o ato da volição interage mais de perto. Pois o referido
ato da vontade está preocupado com o presente ato de beber ou abster-se de beber. Se ele
escolhe beber, então beber é o objeto próprio do ato de sua vontade, e beber,
por algum motivo ou outro, agora lhe parece o mais agradável e o mais cômodo. Se
escolher abster-se, então a abstenção é o objeto imediato de sua vontade e lhe
é mais agradável. Se na escolha que faz na situação prefere um prazer presente
a uma vantagem futura, a qual julga será maior quando vier, então um prazer
presente menor lhe parece mais agradável do que uma maior vantagem distante. Se,
ao contrário, uma vantagem futura é preferida, então isso lhe parece o mais
agradável e o mais cômodo. Logo, ainda a volição presente é como o maior bem
aparente no presente é.
[Continua...]
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